Responsabilidade civil à luz do direito penal: análise acerca da punição do infrator e a reparação dos danos causados às vítimas
- Andreza Jacobsen

- 8 de nov. de 2024
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A responsabilidade civil por danos causados a terceiros é um tema central no âmbito jurídico, buscando garantir a reparação adequada às vítimas de atos ilícitos, inclusive em casos de crimes. Há a interligação entre o Direito Penal e a responsabilidade civil de maneira complexa, visto que, na esfera penal busca-se punir o infrator pelo ato praticado, todavia, a vítima tem o direito de ser indenizada, se desse crime resultaram danos sofridos.
Conforme o artigo 171 do Código Penal :
“Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”), para além da deflagração da persecutio criminis, cujo objetivo será, em última análise, a imposição da pena prevista no Código Penal – de 01 (um) a 05 (cinco) anos, e multa."
Desse modo, além da pena também é necessário levar em consideração interesse de terceiros, vítima e/ou seus sucessores em obter a reparação dos danos causados por este delito. O Código Civil também traz em seu texto o dever de não lesar, mas, do contrário, há a obrigação de indenizar, disposto no artigo 186 do Código Civil:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, surta algum prejuízo a outrem, seja moral seja material. Na mesma esteira, por força do art. 927, do Código Civil “aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2019, p. 58-59), impõe-se um dever de compensação pelos prejuízos advindos de uma conduta lesiva a esfera individual alheia."
Nota-se, que o convívio em sociedade demanda posições que não ataquem bens e direitos que constituem o patrimônio indisponível tutelado pela ordem jurídica. Sendo assim, direito do ser humano, manter-se livre de ataques ou moléstias, assim como preservar a incolumidade de sua personalidade. Entretanto, em uma relação natural e evidente que resulte um ilícito penal e o um prejuízo patrimonial à vítima, faculta-lhe o direito à reparação. Não por outro motivo, que ao tratar dos efeitos automáticos da condenação, o próprio Código Penal assegura que um deles é o de tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, inciso I).
Na antiguidade usava-se da vingança para reestabelecer o equilíbrio social, promovendo uma sensação de justiça e reparação aos danos causados o que também causava desequilíbrios por constantes excessos. Todavia, com o tempo o Estado tem o dever de responsabilidade por fazer justiça, substituindo o que antes era vingança entre indivíduos por compensação através de indenização. O papel do Ministério Público e do Poder Judiciário na condução dos processos de responsabilidade civil em concomitância com a ação penal destaca a importância de uma atuação coordenada e eficiente para a plena proteção dos direitos das vítimas e seus sucessores. Respeitando o princípio da proporcionalidade, a compensação limita-se a magnitude do dano sofrido. O sistema de justiça visa impor a lei de maneira a abordar as situações de forma mais racional e justa com a exata punição dos crimes e a consequente, reparação pelas suas consequências.
A reparação de danos cumpre sua função social baseada no princípio da solidariedade, em que pese o ofendido ajuiza ação de natureza penal e outra de natureza civil almejando suas pretensões. Todavia, vale ressaltar que a solidariedade no Direito Civil é vista de forma distinta da esfera penal, visto que se refere a uma forma de responsabilização conjunta de mais de uma pessoa pela reparação dos danos causados a terceiros.
Nesse ponto, a ação civil para a reparação de danos busca responsabilizar todos os envolvidos na causa do dano, de maneira solidária, ou seja, cada um deles pode ser obrigado a arcar integralmente com a reparação ou apenas parte dela, mas a vítima tem o direito de exigir o cumprimento da obrigação de qualquer um dos responsáveis. Esse sistema é aplicado quando várias pessoas contribuem de alguma forma, para a ocorrência de um mesmo dano, sendo consideradas coautoras ou participantes do evento danoso. Dessa maneira, a solidariedade busca evitar que a vítima fique desamparada na busca pela reparação, permitindo que ela escolha quem responsabilizar pela reparação, ou até mesmo acionar todos os envolvidos em conjunto.
No Código Civil Brasileiro, a solidariedade é tratada nos artigos 942 a 945. O artigo 942, por exemplo, estabelece que:
"são também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.
Desta forma, quando há mais de um responsável pelo dano, seja por ação direta ou indireta, o prejudicado pode ingressar com a ação civil contra qualquer um deles ou contra todos simultaneamente, buscando a reparação do prejuízo sofrido. É importante ressaltar que, em caso de pagamento por um dos responsáveis, este terá o direito de ressarcimento dos demais, para que não seja prejudicado ao cumprir a obrigação em relação aos outros devedores.
O sistema da solidariedade não impede que a vítima, uma vez ressarcida pelo prejuízo, exija a respectiva quota-parte de cada um dos responsáveis, evitando que haja um enriquecimento injusto de qualquer um conjunta. Dessa forma é uma importante ferramenta do direito civil que almeja garantir o ressarcimento adequado aos prejuízos sofridos, evitando que a vítima seja desamparada na busca por justiça.
O sistema da livre escolha, possibilita à vítima um poder de escolha, que será promover ou não a ação de reparação dos prejuízos na esfera civil. Por consequência disso, o processo cível pode permanecer suspenso até a decisão final do juízo criminal, evitando-se, nessa situação, decisões conflitantes (TARTUCE, 2018, p. 986-987).
Por força do art. 63, do CPP o ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema da independência das instâncias; isto significa dizer que o ofendido poderá ajuizar ação civil, que se discute sobre assunto de direito privado, em face da ocorrência do crime, ao mesmo tempo em que o Ministério Público (titular da ação penal pública – art. 129, inciso I, da CF) oferece denúncia em face do mesmo indivíduo (LIMA, 2017, p. 314). Destaca-se neste caso, e conforme as disposições do Código de Processo Penal, o que dispõe o art. 935, do Código Civil: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.
O Código Penal ainda complementa, asseverando no art. 91, inc. I, que um dos efeitos da condenação é tomar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo delito. Cuida-se, portanto, de efeito extrapenal obrigatório (ou genérico), aplicável por força de lei, independentemente de expressa declaração por parte da autoridade jurisdicional, uma vez que é inerente à condenação, qualquer que seja a pena imposta – privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa – (NUCCI, 2016, p. 227).
Durante a fase do processo penal, provas e argumentos são apresentados tanto pela acusação quanto pela defesa, e, ao fim, o juiz avalia todos os elementos para determinar se o acusado é culpado ou inocente. Ao dispor que na sentença penal condenatória o magistrado fixa o valor mínimo para reparação dos danos causados pelo crime, baseado nos prejuízos sofridos pela vítima o art. 387, inc. IV, do CPP não restringe essa indenização somente à título de danos patrimoniais, referindo-se de forma genérica à “reparação dos danos”.
Nesse contexto, não há razão para excluir do juízo penal a possibilidade de arbitrar valor destinado à reparação, também, de danos de ordem moral, eventualmente causados pela infração penal (TARTUCE, 2018, p. 991).
Afinal, não há dúvidas de que o legislador, permitindo ao juízo criminal, por ocasião da sentença condenatória, estabelecer indenização mínima devida à vítima, objetivou possibilitar a esta ter satisfeito o prejuízo que lhe foi causado pela conduta criminosa com maior prontidão, sem a necessidade de aguardar as delongas de uma fase liquidatória prévia ao ajuizamento da ação executória. Tal arbitramento, então, apenas visa antecipar, em parâmetros mínimos, o valor que, em liquidação de sentença, seria apurado no juízo cível. E, no juízo cível, pela redação do art. 186 do Código Civil, fica explícito que tanto o dano moral quanto o patrimonial sujeitam-se à reparação.
Alguns objetivos da reparação de danos são: a) Compensação pelos danos sofridos: A reparação em forma de indenização busca compensar a vítima pelos danos físicos, psicológicos e emocionais sofridos em virtude do crime. A indenização em si não é capaz de apagar completamente as sequelas do crime, é uma forma de reconhecimento do sofrimento enfrentado e pode contribuir para uma eventual recuperação; b) Reparação moral: ao conceder uma compensação financeira à vítima, o sistema jurídico reconhece a violação dos seus direitos fundamentais, garantindo o respeito à sua dignidade e integridade como ser humano, principalmente em casos de estigmatização, julgamentos sociais e culpabilização indevida da vítima; c) Combate à impunidade: A possibilidade de indenização às vítimas contribui para o combate à impunidade, pois em determinados casos há dificuldades na produção de provas ou nas etapas do processo penal, o que pode levar à absolvição do acusado por falta de elementos suficientes para a condenação. A ação civil de reparação de danos possibilita à vítima outra via de busca por justiça, independente do resultado na esfera penal. Dessa forma, mesmo que o autor do crime não seja condenado criminalmente, ele pode ser responsabilizado civilmente e obrigado a reparar o dano causado; d) Prevenção de novos delitos: A indenização às vítimas detém um papel preventivo, visto que ao impor uma consequência financeira ao autor do crime acaba por desencorajar outros potenciais agressores de cometerem atos semelhantes. Dessa maneira, ao oferecer suporte e proteção à vítima, a reparação civil acaba sendo um estímulo a denunciar o crime, o que por sua vez contribui para a investigação e punição de autores e inibe novas violações a bens jurídicos tutelados.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.Acesso em: 08 nov. 2024.
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 nov. 2024.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em:
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Vol. 3. Responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2017
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
POLL, Roberta Eggert; CASTILHOS, Aline Pires de Souza Machado de. Responsabilidade civil à luz do direito penal: análise acerca da punição do infrator e a reparação dos danos causados à vítima. In: Responsabilidade civil em pauta. Orgs. Alexandre Torres Petry Eduardo Lemos Barbosa Fernanda Pimentel da Silva. Porto Alegre: OAB/RS, 2023.
TARTUCE, Flávio. Manual de responsabilidade civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

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