Os vínculos parentais e a ação vindicatória dos filhos
- Andreza Jacobsen

- 30 de set. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de out. de 2024
O princípio norteador dos vínculos parentais no atual sistema jurídico é o da afetividade, que se contrapõe ao antigo paradigma que reconhecia como família apenas aquela constituída pelo matrimônio. Trata-se de um princípio que atribui ao afeto um valor jurídico, sendo elemento fundamental na estruturação da entidade familiar. Com base nisso, afirma-se que a igualdade entre os filhos estende-se a todos, inclusive àqueles havidos fora do casamento, os adotivos, os oriundos de técnicas de reprodução assistida e aqueles decorrentes da parentalidade socioafetiva, que se fundamenta na posse de estado de filho. Esses parâmetros visam a uma sociedade justa e solidária, pautada na plena comunhão de aspectos corpóreos e espirituais, conforme previsto no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Nesse contexto, são reconhecidos três tipos de parentesco: o natural ou consanguíneo, o por afinidade e o civil.
O parentesco consanguíneo, ou natural, resulta de vínculo biológico ou de sangue. A legislação destaca o parentesco em linha reta, existente entre pessoas que descendem umas das outras, numa relação direta. Ainda, prevê o parentesco colateral ou transversal, entre pessoas que não descendem diretamente uma da outra, mas compartilham um ascendente comum. O Código Civil de 2002 limita o parentesco colateral até o quarto grau, reduzindo a extensão das relações familiares, antes admitidas até o sexto grau, o que pode suscitar discussões sobre uma possível afronta à solidariedade familiar. Atualmente, consideram-se parentes colaterais os irmãos (segundo grau), tios (terceiro grau), sobrinhos (terceiro grau), primos-irmãos (quarto grau), tios-avós (quarto grau) e sobrinhos-netos (quarto grau).
O artigo 1.595 do Código Civil regula o parentesco por afinidade, estabelecido entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro. Vale destacar que não há parentesco entre os próprios cônjuges ou conviventes, mas sim entre sogra e genro, sogro e nora, padrasto e enteada, madrasta e enteado, entre outros, sendo este vínculo perpétuo na linha reta, mesmo após a dissolução do casamento ou união estável. Na linha colateral, o parentesco entre cunhados não persiste após a dissolução do vínculo conjugal.
Por fim, o Código Civil, em seu artigo 1.593, trata do parentesco civil, estabelecendo que este pode decorrer da consanguinidade ou de outra origem. Embora o parentesco por afinidade possa ser considerado uma forma de parentesco civil, o legislador optou por tratá-lo distintamente, sem prejuízo dos seus efeitos jurídicos.
Diante desse cenário, o ordenamento jurídico assegura o direito de preservação e reafirmação dos vínculos parentais, sobretudo nos casos em que esses laços são indevidamente rompidos por condutas de terceiros. Um exemplo clássico é a prática de algumas mães que, ao fazerem declarações falsas quanto à paternidade, acabam por afastar o vínculo paterno-biológico, criando uma situação de sofrimento e infelicidade para o pai biológico. Nesse contexto, o direito civil prevê a chamada ação vindicatória, que confere ao pai biológico (ou, eventualmente, à mãe biológica) o direito de reivindicar a paternidade, mesmo quando o filho já tenha sido registrado por um terceiro. Trata-se de uma ação declaratória de estado, dotada de imprescritibilidade, e cuja competência é da Vara de Família, dada a sua relação com o tema da filiação.
A legitimidade passiva nessa ação recai tanto sobre o terceiro que registrou o filho indevidamente quanto sobre o próprio filho registrado, comumente pela mãe. No âmbito jurídico, a ação fundamenta-se no artigo 1.604 do Código Civil, que dispõe que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”. Na esfera constitucional, a ação vindicatória encontra respaldo no direito fundamental ao vínculo genético, na proteção à dignidade humana (art. 1º, III) e na promoção da solidariedade familiar (art. 3º, I).
Nos casos em que se verifica falsidade registral, por exemplo, quando o registro de um filho é feito por alguém que não é o verdadeiro genitor, é cabível a propositura de ação vindicatória, com o objetivo de garantir o direito à paternidade ou maternidade biológica. Além disso, o artigo 1.615 do Código Civil permite que qualquer pessoa com legítimo interesse conteste a ação de investigação de paternidade ou maternidade.
Ainda que a ação vindicatória busque, em primeira análise, a verdade biológica, deve-se ponderar a relevância dos laços socioafetivos estabelecidos ao longo do tempo entre o filho e os pais registrais, ou seja, não biológicos. Em muitos casos, prevalece o reconhecimento da paternidade/maternidade socioafetiva, visto que o vínculo construído durante o convívio entre o filho e os pais registrais também goza de proteção legal. Assim, mesmo que se reconheça o direito à ação vindicatória, os laços socioafetivos não são desfeitos, mantendo-se o status de pai ou mãe para aqueles que criaram a criança.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Júnior.
REFERÊNCIAS
TARTUCE, Flávio. As Verdades Parentais e a Ação Vindicatória de Filho, Instituito Brasileiro de Direito de Família. 2007. Disponível em: https://ibdfam.org.br/assets/upload/anais/107.pdf#:~:text=A %20a%C3%A7%C3%A3o%20vindicat%C3%B3ria%20de%20filho%20surge%20para%20que%20o%20pai,pai%20biol%C3%B3gico%20(verdade%20biol%C3%B3gica). Acesso em: 26 set. 2024.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em: 24 set. 2024.

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