Omissão de Socorro Médico em caso de voo: Uma análise sob a Ótica do Direito Ético-Médico e casos de exclusões de responsabilidade.
- Andreza Jacobsen

- 12 de nov. de 2024
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A omissão de socorro é uma temática de grande relevância no campo jurídico e no também no campo ético, especialmente quando envolve médicos que se encontram em situações de urgência e emergência, como aquelas que podem ocorrer durante um voo. O crime de omissão de socorro, conforme a menção do artigo 135 do Código Penal Brasileiro, visa responsabilizar o profissional médico a bordo de uma aeronave, quando se omite do exercício medicina. Embora a legislação penal defina a omissão de socorro como a ação de "deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública." O dispositivo penal em seu artigo 135 aborda a responsabilidade penal de indivíduos que se omitem de prestar ajuda em situações de risco iminente à vida de outra pessoa.
Em casos que envolvam especificamente médicos em voos, a situação de risco à saúde e à vida de um passageiro demanda emergência médica, o que, segundo a legislação, impõe ao profissional de saúde o dever de agir, desde que o faça sem colocar sua própria vida em perigo. Portanto, a recusa do médico em prestar socorro, sem justificativa legal, pode ser enquadrada como omissão de socorro, com as consequências penais cabíveis.
Já o Código de Ética Médica (CEM) estabelece diretrizes claras sobre o comportamento esperado dos médicos em situações de emergência. O artigo 7º do CEM afirma que é vedado ao médico "deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria." Isso significa que o médico tem o dever ético de agir em casos de emergência, inclusive em voos.
Ademais, o Princípio Fundamental nº VII do CEM reforça que "o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente." Neste entendimento torna claro que a recusa em prestar socorro em situações de emergência não pode ser justificada, a não ser que o médico se encontre em uma situação de impossibilidade ou risco para si mesmo ou para o paciente.
Em um voo, a emergência médica é um cenário particular, devido às limitações de tempo e recursos. A aeronave está, por sua natureza, em um ambiente fechado e restrito, e o médico a bordo pode se deparar com a falta de equipamentos ou até mesmo com a impossibilidade de fornecer o atendimento adequado. Embora a aeronave esteja equipada com um kit de primeiros socorros, neste caso o profissional geralmente encontra-se limitado em comparação aos recursos disponíveis em um hospital.
Nesse contexto, o médico pode enfrentar várias limitações, tais como: a) Falta de equipamentos médicos completos: Aeronaves não estão equipadas com todos os dispositivos necessários para emergências complexas; b) Tempo e espaço restritos: O atendimento médico pode ser prejudicado pela falta de espaço físico e pela turbulência, além da pressão do tempo para que o voo atinja um destino para atendimento especializado; c) Ausência de apoio médico imediato: Em voos de longa duração, pode haver uma grande distância entre o local da emergência e os centros médicos, o que aumenta a complexidade do atendimento. Dessa forma, a omissão de socorro em voo não pode ser analisada de forma isolada, e as circunstâncias do voo devem ser consideradas, principalmente as condições da aeronave e os recursos médicos disponíveis no momento da emergência.
A responsabilidade do médico, tanto do ponto de vista penal quanto ético, está vinculada ao princípio da atuação diligente e à busca pela preservação da vida e da saúde do paciente. Quando o médico se recusa a prestar socorro, ele pode ser responsabilizado criminalmente se não houver justificativa plausível para a recusa. No entanto, a responsabilidade pode ser atenuada ou até excluída se a recusa for fundamentada em motivos legítimos, como: 1) Impossibilidade de prestar socorro: Caso o médico esteja sob condições que o impossibilitem de prestar atendimento adequado, como um estado de embriaguez, uso de medicamentos que o tornem inapto a atuar, ou até mesmo uma condição física que coloque sua saúde em risco; 2) Falta de recursos ou condições adequadas: Se o médico não tiver acesso a recursos necessários para o atendimento adequado, como equipamentos médicos ou medicamentos essenciais; 3) Risco para sua própria saúde: Se o atendimento colocar em risco a saúde do próprio médico, ele pode se recusar a prestar socorro, sem que isso configure omissão de socorro.
Porém, todos os casos que envolvam recusa devem ser fundamentados, sem pretextos de tomada de decisão de forma leviana ou sem as devidas justificativas. O médico deve ser capaz de demonstrar que sua atitude foi tomada com base em um fundamento ético, técnico ou pessoal que a justifique. Há exemplos de justificativas para a recusa de socorro: embora, em regra, a recusa em prestar socorro seja uma infração ética e, dependendo das circunstâncias, penalmente relevante, existem situações que podem justificar essa recusa, como: a) Estado de embriaguez: Se o médico estiver embriagado, ele não poderá ser responsabilizado por não prestar atendimento, pois sua condição comprometeria a qualidade do socorro; b) Uso de medicamentos: Caso o médico tenha tomado medicamentos, como sedativos, que o deixem incapacitado para prestar atendimento, a recusa será justificada; c) Ausência de condições adequadas para atendimento: Se o médico não tiver os meios necessários para realizar o atendimento (como falta de equipamentos ou medicamentos), ele poderá se recusar a prestar socorro sem ser responsabilizado por omissão de socorro. Logo, diante dessas justificativas a omissão de socorro não pode ser configurada e nem o médico responsabilizado, por isso a análise deve ser de forma concreta, minuciosa conforme caso a caso.
A omissão de socorro por parte de médicos durante um voo é uma questão complexa, que envolve tanto aspectos legais quanto éticos. A análise da responsabilidade do médico deve considerar as circunstâncias específicas do caso concreto, como a disponibilidade de recursos, as condições de saúde do médico e as limitações do ambiente aéreo.
Embora o médico tenha o dever de atuar em situações de emergência, esse dever não é absoluto. Existem situações em que sua recusa pode ser justificada, sem que isso configure infração ética ou crime. Por exemplo, se o médico não tiver condições de atuar devido ao seu próprio estado físico ou à falta de recursos adequados, ele pode ser eximido de responsabilidade.
Em qualquer caso, é fundamental que o médico aja com prudência, responsabilidade e diligência, buscando sempre a melhor solução para preservar a vida e a saúde do paciente, respeitando as normas éticas e legais que regem sua profissão. Portanto, a omissão de socorro deve ser analisada com base nas peculiaridades de cada situação, levando em consideração tanto as obrigações legais quanto os direitos e limitações do profissional de saúde.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Ética Médica. Resolução CFM nº 2.217 de 27/09/2018. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 12 nov. 2024.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 nov. 2024.
BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 12 nov. 2024.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em: 12 nov. 2024.
LIPPMANN, Ernesto. Emergência a bordo: se houver algum médico no avião por favor se identifique. Associação Médica do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, 2014. Disponível em: https://www.amiamspe.org.br/emergencia-a-bordo-se-houver-algum-medico-no-aviao-por-favor-se-identifique/#:~:text=Segundo%20o%20parecer%20do%20CFM ,uma%20intercorr%C3%AAncia%20m%C3%A9dica%20a%20bordo. Acesso em: 12 nov. 2024.

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