O Processo Penal: Adaptações e Inovações no século XXI
- Andreza Jacobsen
- 27 de nov. de 2024
- 5 min de leitura
O processo penal é uma das áreas mais dinâmicas do direito, fundamental para a proteção dos direitos fundamentais do indivíduo e a efetivação da justiça. Com o avanço das tecnologias, mudanças nas estruturas sociais e o surgimento de novas formas de criminalidade, o sistema de justiça penal tem se confrontado com desafios inéditos. A cada dia, novas questões jurídicas, sociais e tecnológicas exigem adaptações no processo penal, que, historicamente, tem sido centrado na busca pela verdade material, na proteção dos direitos do acusado e na imparcialidade do juiz.
No contexto atual, a modernização das ferramentas e práticas do processo penal se faz necessária, mas também apresenta obstáculos que devem ser superados. A globalização, as tecnologias digitais, as novas formas de criminalidade, a relevância da proteção de dados pessoais, o acesso à justiça, e a efetividade da pena são apenas alguns dos pontos que exigem revisão e adaptação das normas e práticas processuais penais.
Nas últimas décadas, o impacto das tecnologias digitais no processo penal tem sido um dos maiores desafios para o sistema de justiça. A internet das coisas, a inteligência artificial (IA), o big data, a cibersegurança e os dados digitais transformaram a forma como as provas são coletadas, armazenadas e apresentadas no tribunal. No que tange ao uso de provas digitais, como registros de e-mails, mensagens de texto, dados de redes sociais e outros conteúdos gerados online, trouxe uma nova complexidade para o processo penal. A questão da autenticidade dessas provas se tornou um tema central, pois, a facilidade de manipulação de informações digitais coloca em risco a credibilidade e a integridade das provas apresentadas.
O desafio consiste em garantir que essas provas sejam devidamente autenticadas, sem que sua adulteração ou falsificação seja possível. Técnicas como a perícia digital e a blockchain têm sido discutidas como soluções para a verificação da autenticidade de documentos e dados. Todavia, o uso dessas tecnologias ainda está em fase de desenvolvimento e adaptação dentro do ordenamento jurídico.
O uso da inteligência artificial no processo penal também é uma realidade emergente. Algoritmos e ferramentas de IA podem auxiliar na análise de grandes volumes de dados, na previsão de comportamentos criminosos e até mesmo na classificação de crimes. Contudo, a automação das decisões, especialmente na fase investigatória ou até mesmo nas sentenças, levanta sérios questionamentos éticos e jurídicos, pois, o aprendizado de máquina pode ficar restrito a determinados dados nas suas decisões o que pode desencadear ainda mais um sistema segregatório e punitivista.
Como garantir que o uso da IA não afete a imparcialidade do juiz ou leve a decisões discriminatórias? O risco de reforçar preconceitos e desigualdades, já presentes no sistema de justiça, é uma preocupação crescente. A implementação de IA no processo penal requer uma regulamentação cuidadosa, que assegure os direitos humanos e a justiça imparcial. Sendo a IA implementada no sistema penal, o seu uso deve ser moderado e supervisionado, visto que é uma ferramenta de auxílio nas decisões, não de substituição das figuras do juiz e das partes.
A crescente sofisticação da criminalidade tem se manifestado em novas formas de delinquência, que exigem adaptação do processo penal. O crime organizado, o tráfico de drogas, o terrorismo, os crimes cibernéticos, o lavagem de dinheiro, os crimes financeiros transnacionais e a criminalidade ambiental estão entre os principais desafios enfrentados pelo sistema judiciário. Por isso, diante dessas novas demandas, são utilizadas as tecnologias como forma de atendê-las de forma rápida e eficaz, porém, todas essas inovações trazem seus benefícios e malefícios. O crime cibernético é um dos maiores desafios para a justiça penal no século XXI. Com o aumento da internet e da digitalização dos serviços, os delitos praticados por meio do ambiente virtual — como fraudes eletrônicas, roubos de identidade, hacking, e disseminação de conteúdo ilegal, têm gerado dificuldades para os órgãos de segurança e para os tribunais.
Esses crimes muitas vezes ultrapassam fronteiras e expandem-se, envolvendo jurisdições internacionais, pois, se disseminam em diferentes partes do mundo, utilizando plataformas digitais. Uma das propostas para o combate a estes crimes cibernéticos é a cooperação internacional entre os sistemas de justiça penal de diferentes países e o fortalecimento de legislações voltadas à cibersegurança são essenciais para enfrentar esses desafios. Por isso a necessidade de uma abordagem mais global para o enfrentamento de delitos que ultrapassam as fronteiras nacionais, como o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e o terrorismo.
Nesse sentido, a cooperação internacional entre os sistemas de justiça penal de diferentes países se tornou um pilar essencial para a eficácia da investigação e do processo penal. Entretanto, a adaptação do processo penal às normas internacionais de cooperação, como as convenções da Organização das Nações Unidas (ONU) ou da Interpol, exige mudanças no entendimento e aplicação das leis penais brasileiras, assim como uma maior harmonização entre as legislações nacionais e internacionais. O acesso à justiça é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito. No entanto, a desigualdade social, a falta de recursos, e as dificuldades no sistema judiciário ainda representam grandes obstáculos para a efetiva aplicação da justiça penal, principalmente para aqueles em situação de vulnerabilidade.
A assistência jurídica é um direito fundamental de todos os acusados em processo penal. No entanto, o processo penal brasileiro ainda enfrenta desafios significativos em relação à qualidade e à efetividade da defesa pública, especialmente para aqueles que não podem arcar com os custos de um advogado particular. A sobrecarga de processos nos tribunais, a escassez de defensores públicos e a morosidade do sistema judicial podem resultar em julgamentos injustos ou em prisões prolongadas sem a devida assistência. Além disso, a defesa dos direitos humanos e a garantia de um processo penal justo também enfrentam desafios em tempos de populismo punitivo e de pressão pública por respostas rápidas ao crime.
O uso de tecnologias tem sido uma solução proposta para melhorar o acesso à justiça, especialmente por meio de plataformas digitais que permitem o acesso remoto a tribunais, audiências e processos, como o uso de videoconferências e audiências virtuais. Essas inovações podem contribuir para reduzir o tempo de espera e a burocracia no processo penal, proporcionando maior eficiência e acessibilidade.
Contudo, a digitalização do processo penal também apresenta desafios relacionados à inclusão digital, com o risco de marginalizar aqueles que não têm acesso a tecnologias, criando uma desigualdade de acesso à justiça. O sistema penal enfrenta, ainda, grandes desafios em relação à efetividade das penas e à ressocialização dos condenados. O encarceramento massivo, as condições precárias dos presídios e a reincidência criminal indicam que o modelo atual de punição não está atingindo seus objetivos de reintegração social.
A ressocialização dos indivíduos condenados ao cumprimento de penas privativas de liberdade deve ser reavaliada. A falta de programas de educação, capacitação profissional e tratamento psicológico nos presídios contribui para a recidiva criminal. O sistema penal deve buscar alternativas à prisão, como penas alternativas, medidas socioeducativas, e programas de reintegração social que, ao invés de simplesmente punir, promovam a reinserção do indivíduo na sociedade de forma produtiva e respeitosa.
A justiça restaurativa surge como uma proposta alternativa que busca reparar os danos causados pelo crime, envolvendo tanto a vítima quanto o infrator em um processo de diálogo e acordo, ao invés de apenas impor a punição. A implementação de práticas de justiça restaurativa no processo penal pode ser uma solução para melhorar a efetividade da justiça penal, buscando soluções mais humanas e focadas na prevenção da reincidência. Os novos desafios no processo penal demandam uma reavaliação contínua e a adaptação do sistema de justiça às novas realidades sociais, tecnológicas e internacionais. A tecnologia, a nova criminalidade, a busca por acesso à justiça e a eficácia das penas são apenas alguns dos pontos que exigem inovação e reformulação das práticas processuais.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
MENEZES, Wagner. Os Desafios atuais do Direito Penal e Processual Penal: Reflexões e Perspectivas. Jusbrasil. 2023. Disponível: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-desafios-atuais-do-direito-penal-e-processual-penal-reflexoes-e-perspectivas/1915421947. Acesso em: 27 nov. 2024.
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