O princípio da comunhão de provas no processo penal brasileiro
- Andreza Jacobsen
- 10 de jan.
- 6 min de leitura
O conceito de prova denomina-se qualquer meio destinado a demonstrar a veracidade de fato ou alegação, levando certeza ao juiz.
Para se provar algo é necessário um conjunto de atos que podem ser praticados pelas partes, pelo juiz, por terceiros (peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção sobre a existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Todos os fatos, desde principais ou secundários, que demandem uma apreciação judicial e exijam comprovação podem ser objeto de prova.
Logo, a prova tem por finalidade formar a convicção do juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa. São elementos de prova todos os fatos ou circunstâncias em que repousa a convicção do juiz.
Vale ressaltar que, no processo penal, distintamente do processo civil, mesmo o fato incontroverso deve ser provado, ou seja, aquele que é aceito pelas partes, ou então, aquele que não foi questionado por nenhuma delas, dependerá, também, de prova. Isso, porque, no processo penal a busca é pela verdade real também conhecida como material ou substancial. Assim, as partes têm ampla liberdade para se utilizar dos meios que entenderem necessários para provar os fatos do processo, devendo o juiz agir de maneira a não limitar essa atividade. Desta forma, os meios de prova enunciados nos artigos 158 e seguintes do CPP são meramente exemplificativos.
Salienta-se, que a ampla liberdade das provas não é absoluta, pois tanto a CF quanto o CPP preveem hipóteses que a limitam, pois certas provas necessitam de maneiras preexistentes para sua concretização.
A CF traz diversas restrições à colheita e ao emprego de provas no art. 5º, X (direito à intimidade e à vida privada), XI (inviolabilidade do domicílio), XII (sigilo de correspondência e de comunicações, em geral) e LVI (vedação do uso de provas, em processo quando obtidas por meios ilícitos).
No que tange ao princípio da comunhão de provas, toda prova produzida passa a ser do processo, acessíveis a todas as partes, ainda que produzida por iniciativa de uma das partes, ou até mesmo pelo juiz de ofício. A prova nunca pertence a uma ou outra parte, mas ao juízo. Assim, pode ser utilizada por todos os participantes da relação processual, destinando-se a apurar a verdade dos fatos alegados e contribuindo para o julgamento da causa pelo juiz. Em outras palavras, os elementos de prova reunidos durante a investigação ou durante o processo judicial devem ser compartilhados entre o Ministério Público, a defesa e o juiz, salvo em situações excepcionais previstas em lei. Isso garante que todos os envolvidos no processo tenham as mesmas condições de conhecimento e acesso às provas produzidas, o que permite uma defesa efetiva e o direito ao contraditório. Os aspectos principais do princípio da comunhão de provas são:
Transparência das provas: As partes, ou seja, o Ministério Público, a defesa e o juiz, devem ter acesso livre a todas as provas produzidas, a fim de garantir a transparência do processo.
Oportunidade de contraditório e defesa: O réu e seu defensor têm o direito de se manifestar sobre as provas apresentadas pela acusação. Isso assegura a paridade de armas e evita que o processo seja desequilibrado em favor da acusação.
Exceções: Em casos excepcionais, como em investigações sigilosas ou quando o sigilo seja necessário para a elucidação do fato, o juiz pode resguardar o acesso às provas de determinadas partes por um tempo determinado, mas, em princípio, o princípio da comunhão prevalece.
O texto constitucional de 1988, em seu art. 5º, LV, assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa, os quais estão diretamente relacionados com o princípio da comunhão de provas. O contraditório, em especial, exige que a defesa tenha pleno acesso às provas utilizadas no processo, para poder contestá-las, questioná-las e produzir as suas próprias provas.
Do mesmo modo, o Código de Processo Penal (CPP) também estabelece o princípio da comunhão de provas, especialmente no art. 8º e no art. 10, que tratam do direito do réu ao contraditório e à ampla defesa.
O art. 9º do CPP trata especificamente da legalidade das provas e da necessidade de que todas as partes tenham acesso a essas provas, conforme o disposto na Constituição. Assim, nenhuma parte pode ser surpreendida com provas produzidas exclusivamente por uma das partes sem que as demais tenham acesso para contestação.
O princípio da comunhão de provas busca, principalmente, garantir a equidade no processo penal. Sem esse princípio, uma das partes — normalmente a acusação — poderia utilizar provas sem a defesa ter a oportunidade de contestá-las ou apresentar provas que contrariassem a acusação. Isso violaria os direitos fundamentais do acusado, especialmente o direito à ampla defesa. O objetivo do princípio é assegurar que todos os envolvidos no processo tenham conhecimento prévio das provas e possam influenciar no curso do processo, utilizando essas provas a seu favor, dentro dos limites da lei. Além disso, a comunhão de provas contribui para o alcance da verdade real e para a segurança jurídica do julgamento, evitando surpresas no momento da sentença. A prova deve ser compartilhada e conhecida por todos, permitindo uma avaliação justa das evidências por parte do juiz, da defesa e da acusação. Conforme ressaltado, uma vez inserida no processo, a prova tem a finalidade de evidenciar a verdade real, não mais servindo ao interesse de uma ou de outra parte.
Deste modo, a ideia central do princípio da comunhão da eficácia probatória, é ter eficácia, como condição de gerar efeitos no caso concreto. Uma prova produzida dentro do processo passa a gerar efeitos - benéficos ou prejudiciais - para todos os sujeitos processuais, não sendo possível ao magistrado valorar uma prova de forma diferente para sujeitos processuais diferentes somente porque um foi o responsável por sua produção e o outro não.
Apesar de ser um princípio amplamente garantido pelo direito processual penal brasileiro, a comunhão de provas não é absoluta. Em algumas situações excepcionais, o juiz pode restringir o acesso de uma das partes a determinadas provas, como no caso de investigações sigilosas ou quando há risco de comprometimento da elucidação do fato ou da obtenção de outras provas. Algumas dessas exceções estão previstas nos artigos 7º e 8º do Código de Processo Penal:
Sigilo das investigações: Em casos de investigações sigilosas, como no caso de investigações sobre organizações criminosas, o juiz pode determinar que certas provas não sejam reveladas de imediato às partes, para que não haja dano à apuração. No entanto, esse sigilo é temporário e as provas devem ser, mais tarde, compartilhadas com as partes.
Risco de comprometimento: O juiz pode determinar a produção de provas com sigilo quando houver risco concreto de que a divulgação da prova prejudique a coleta de mais elementos ou até coloque em risco a integridade das pessoas envolvidas.
Ainda assim, mesmo em situações excepcionais, o princípio da comunhão de provas deve ser respeitado na medida em que todas as partes devem ser informadas das provas utilizadas no processo, no momento adequado para garantir a ampla defesa e o contraditório. A importância do Princípio da Comunhão de Provas para o Estado Democrático de Direito é essencial para garantir um processo justo e respeitar os direitos fundamentais do réu, como o direito à ampla defesa e ao contraditório. Sua aplicação impede que o processo seja conduzido de forma desequilibrada, com uma parte tendo acesso privilegiado às provas.
Além disso, a comunhão de provas permite uma maior transparência e publicidade do processo, fundamentais para a manutenção da credibilidade e legitimidade do sistema de justiça penal. Isso contribui para o Estado Democrático de Direito, onde o processo penal deve ser pautado pela legalidade, pela justiça e pelo respeito aos direitos humanos. Portanto, o princípio da comunhão de provas é fundamental para a proteção dos direitos fundamentais e para o bom andamento do processo penal no Brasil.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 jan. 2024.
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 10 jan. 2024.
SAVAZZONI, Simone. Comunhão de provas. Escola Brasileira de Direito, 2024. Disponível em: https://www.ebradi.com.br/. Acesso em: 10 jan. 2024.
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