Nem tudo o que parece é ato exemplar. Caso de exploração ilegal de trabalho pela empresa BYD no Brasil
- Andreza Jacobsen
- 20 de jan.
- 6 min de leitura
As condições de trabalho nas empresas têm sido um tema recorrente de discussão, especialmente quando se fala de grandes corporações que operam em mercados em expansão, como a BYD (Build Your Dreams). Esse complexo gigantesco é uma multinacional chinesa de energia e veículos elétricos com filial no Brasil em operação desde 2015. Todavia, as condições de trabalho na empresa têm gerado preocupações, especialmente no que tange à precarização das atividades trabalhistas, o tratamento dos colaboradores e as condições nas unidades fabris.
Em um contexto geral, A BYD começou a operar no Brasil com foco em automóveis elétricos e, posteriormente, ampliou sua atuação para o setor de energia renovável, produzindo também baterias e sistemas fotovoltaicos. Com fábricas em várias regiões do país, a empresa tem gerado empregos diretos e indiretos, especialmente nas unidades de São Bernardo do Campo (SP) e Campinas (SP) e em expansão no estado da Bahia.
Todavia, desde 2024 a empresa foi alvo de investigações por cometimento de condutas ilegais em relação a normas trabalhistas, como jornadas exaustivas de trabalho e recrutamento ilegal através da imigração. Essas práticas ferem diretamente a liberdade, a dignidade e a segurança dos trabalhadores, pois, há uma exploração de forma extrema e abusiva do ser humano. O trabalho em condições análogas à escravidão é reconhecido pelas práticas de coerção física e psicológica e a intensa privação da liberdade no ambiente de trabalho, seria uma nova forma de escravidão contemporânea. Quando se reduz alguém à trabalho exaustivo de trabalho não se retira somente seu período de descanso, mas, induz à falta de higiene, segurança e condições mínimas de saúde e conforto, além de condições de trabalho insalubres e perigosas.
A legislação brasileira traz através da Constituição Federal de 1988 um avanço significativo na proteção dos direitos dos trabalhadores, especialmente com a proibição de qualquer forma de escravidão ou trabalho forçado. O artigo 7º da Constituição assegura uma série de direitos fundamentais para os trabalhadores, incluindo a proibição do trabalho escravo e de qualquer forma de exploração análoga à escravidão. Artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal de 1988: "É vedado qualquer trabalho forçado, oneroso ou degradante, sendo nulas quaisquer disposições contrárias.” Esse dispositivo reflete o compromisso do Brasil com a erradicação do trabalho escravo, considerando a história do país e a necessidade de combater práticas desumanas em pleno século XXI.
Já o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 149, define o crime de redução à condição análoga à escravidão. Este artigo tipifica as condições que configuram o trabalho forçado e as formas de exploração do trabalhador. Ele prevê pena de reclusão de 2 a 8 anos, além de multa, para quem submeter outra pessoa a essas condições.
Artigo 149 do Código Penal: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer seja submetendo-o a trabalho forçado, jornada exaustiva, ou a condições degradantes de trabalho, quer seja restringindo-lhe, por qualquer meio, a locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto."
Esse dispositivo é uma resposta direta às situações de trabalho forçado, jornadas exaustivas e ambientes degradantes, e busca punir severamente aqueles que cometem esse tipo de crime.
Conforme a Lei nº 10.803/2003, também conhecida como a Lei de Erradicação do Trabalho Escravo, foi um marco na luta contra o trabalho análogo à escravidão no Brasil. Ela determina a inclusão de indivíduos que se encontrem nessa situação em uma lista suja mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), além de prever a aplicação de uma série de medidas, como a suspensão de repasses financeiros a empresas que utilizam trabalho análogo à escravidão.
A Lei nº 13.344/2016 que prevê o enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e ao Trabalho Escravo também fortaleceu a resposta do Brasil ao trabalho escravo moderno, ao prever medidas específicas de combate ao tráfico de pessoas e ao trabalho análogo à escravidão. Ela visa não só reprimir essas práticas, mas também criar condições para a reinserção social das vítimas, por meio de medidas de assistência psicossocial, capacitação e reintegração no mercado de trabalho.
A fiscalização do trabalho escravo no Brasil é realizada por órgãos como o Ministério do Trabalho, a Polícia Federal, o Ministério Público do Trabalho (MPT), e organizações não governamentais que atuam na proteção dos direitos humanos. A Operação Resgate e outras ações de fiscalização buscam identificar e erradicar focos de trabalho escravo, realizando resgates de trabalhadores em situações análogas à escravidão.
Uma das principais ferramentas no combate ao trabalho escravo no Brasil é a Lista Suja, que é divulgada pelo Ministério do Trabalho. Essa lista contém o nome das empresas e empregadores que foram flagrados utilizando trabalho escravo. A inclusão de um empregador na Lista Suja impede que ele participe de processos de licitação pública e pode dificultar o acesso a financiamentos bancários e outros benefícios.
Diante de inúmeros relatos de trabalhadores que apontaram jornadas exaustivas, com sobrecarga de tarefas e pouco descanso. A larga escala de serviço na BYD, compromete o bem-estar e saúde dos funcionários, pois, muitas vezes encontram-se sem tempo adequado para pausas, alimentação violando totalmente a dignidade humana desses trabalhadores.
A partir das denúncias em 2024 a empresa que investe em tecnologias modernas para a produção de veículos e sistemas de energia renovável, vai na contramão da proposta sustentável que promete, pois, reduzir à condições análogas de escravidão seus trabalhadores, subtrai sua credibilidade a proposta moderna da empresa. A sustentabilidade na BYD somente será efetivada na prática quando o direito de cada um for respeitado, quando seus trabalhadores não passarem por condições insalubres e à condições precárias de ventilação, exposição ao ruído excessivo e substâncias químicas perigosas. A falta de medidas eficientes para a segurança e saúde no trabalho já está comprometendo o bem-estar desses colaboradores, aumentando os principalmente riscos de doenças ocupacionais. Segundo a investigação em dezembro de 2024 a empresa empreiteira da BYD, a Jinjiang teria contratado aproximadamente 500 trabalhadores chineses trazidos ilegalmente ao Brasil e reduzidos à condições análogas de escravidão. Dessa maneira, diante de inúmeras situações irregulares, a BYD será multada por cada trabalhador encontrado nesta situação ilegal.
Em várias ocasiões, em 2024 houve denúncias de assédio moral e práticas de pressão psicológica por parte de supervisores e gestores. Além disso, os trabalhadores têm mencionado o medo de represálias, como advertências ou demissões, caso se queixem das condições de trabalho ou tentem se organizar coletivamente. A falta de uma representação sindical forte também limita a negociação de melhores condições para os empregados.
Apesar da empresa ser reconhecida globalmente por sua contribuição ao setor de energias renováveis e à mobilidade elétrica, suas práticas laborais no Brasil, não tem respeitado o básico em relação aos direitos trabalhistas de seus contratados. A BYD entra em contradição, sobretudo, quando se posiciona como defensora do meio ambiente, mas, é denunciada por más condições de trabalho em suas fábricas colocam em xeque a sua responsabilidade social.
A questão da BYD, não é somente buscar melhorar sua imagem por meio de ações de responsabilidade social, após as denúncias. A empresa deve se comprometer em melhorar seus processos internos, principalmente no aspecto trabalhista. Algumas medidas que poderiam contribuir para a melhoria das condições de trabalho incluem:
Melhora na Infraestrutura: Investir na modernização das instalações e garantir que o ambiente de trabalho seja seguro e saudável.
Ajustes nas Jornadas de Trabalho: Garantir turnos adequados, com pausas regulares e respeito aos direitos trabalhistas, como o pagamento de horas extras e o fornecimento de transporte adequado.
Valorização do Trabalhador: Aumento da remuneração e benefícios compatíveis com as funções desempenhadas, além de programas de qualificação e capacitação contínuos.
Fortalecimento da Representação Sindical: Incentivar a organização dos trabalhadores em sindicatos e oferecer canais transparentes e acessíveis para reclamações e sugestões.
Transparência e Responsabilidade: A empresa deve adotar uma postura mais transparente em relação à sua gestão de pessoas, ouvindo as demandas dos trabalhadores e implementando soluções de forma eficaz.
Com toda a sequência de adequações e ajustamentos em relação às normas trabalhistas, haverá uma harmonia entre a inovação tecnológica e sustentabilidade que é o propósito da empresa. A credibilidade da BYD deve crescer no mercado brasileiro e global após reconhecer que a valorização de seu capital humano é essencial para o sucesso sustentável a longo prazo. Portanto, as mudanças no campo das relações trabalhistas são urgentes para a empresa. Do contrário, não cabe a proposta da multinacional, em prezar pela sustentabilidade quando não respeita o mínimo, que é o direito fundamental e a dignidade humana das pessoas.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em:
BRASIL. Lei nº 10.803, de 11 de novembro de 2003. Dispõe sobre a erradicação do trabalho escravo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 nov. 2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.803.htm. Acesso em: 20 jan. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016. Dispõe sobre o enfrentamento ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 out. 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13344.htm#:~:text=Art.,a%20aten%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0s%20suas%20v%C3%ADtimas. Acesso em: 20 jan. 2025.
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