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Lei do abuso de autoridade: quando há margem para a violência institucional

  • Foto do escritor: Andreza  Jacobsen
    Andreza Jacobsen
  • 3 de out. de 2024
  • 6 min de leitura



A Lei nº 14.321/2022 aprovada em março de 2022, alterou a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), acrescentando ao texto o artigo 15-A. A nova redação trouxe a violência institucional como fator que ocorre quando o agente público submete uma vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a "procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a vivenciar, sem estrita necessidade, a situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização”. 


Sendo assim os responsáveis pela prática podem ser punidos com detenção de três meses a um ano e multa pelo cometimento da chamada “vitimização secundária” (ou violência institucional) que tem especial gravidade, já que ela é causada pelos agentes públicos que deveriam proteger a vítima no curso da investigação ou do processo. Por ser praticada pelos órgãos oficiais do Estado, a vitimização secundária pode trazer uma sensação de desamparo e frustração ainda maior que a vitimização primária. O abuso de autoridade traz a vítima uma sensação de que seus direitos mais uma vez sofrem violações de segunda ordem, sendo a sua dignidade desrespeitada ao buscar amparo e proteção nos órgãos oficiais do Estado, esse fato precisa ser denunciado. O artigo 15-A da Lei 14.321/2022 aduz que:


Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade:     (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)

I - a situação de violência; ou      (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)

II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização:       (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.      (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)

§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços).     (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)

§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro.   (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)



O dispositivo diz que a pena pode ser aumentada em 2/3 se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização. Se o próprio agente público intimidar a vítima no curso do processo ou investigação, a pena prevista na lei poderá ser aplicada em dobro. O verbo intimidar nos parece contemplar uma conduta que vai das insinuações que causam desconforto até a ameaça explícita. 


Ainda os artigos da Lei  14.245, de 22 de novembro de 2021 - Lei Mariana Ferrer mais uma vez abordam sobre a ocorrência da violência institucional em que inúmeros fatos colaboram para a revitimização de uma vítima: 


Art. 1º  Esta Lei altera os Decretos-Leis nos 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), para coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo.

Art. 2º O art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único. 

Art. 344……………………………………………………………………………..

Parágrafo único. A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até a metade se o processo envolver crime contra a dignidade sexual.” (NR)

Art. 3º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 400-A e 474-A:

“Art. 400-A. Na audiência de instrução e julgamento, e, em especial, nas que apurem crimes contra a dignidade sexual, todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa, cabendo ao juiz garantir o cumprimento do disposto neste artigo, vedadas:

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos;

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.”


Em qualquer uma de suas modalidades, o crime é próprio, pois a exigência da qualidade de agente público é uma característica comum a todos os delitos da Lei de Abuso de Autoridade. Particulares, só podem responder pelo crime quando em concurso de pessoas para com um agente público, conforme o artigo 30 do Código Penal. O gênero da pessoa não importa para a finalidade de caracterização do crime. Ou seja, homens e mulheres podem sofrer violência institucional, embora seja ela sobremaneira mais frequente no caso das mulheres. Crianças e adolescentes também podem suportar a violência institucional. Esses procedimentos invasivos desnecessários, que geram a afetação da higidez psíquica da vítima podem ocorrer em um momento singular, de modo que a restrição de subsunção aos casos de reiteração comportamental levaria à proteção deficiente. 


E como fica a questão do advogado atuando num processo onde ocorra a violência institucional? Esse defensor deve atuar em na defesa de seu cliente sempre zelando pelo processo de forma pacífica, e sem arbitrariedades e ilicitudes por parte de agentes públicos. O advogado tem o papel de não permitir que seu cliente seja exposto à violações de ordem moral e psicológica. E outro questionamento seria se o advogado também pode ser responsabilizado por violência institucional? Normalmente advogados não poderão ser responsabilizados pelo delito. No entanto, como bem salientam Rogério Sanches e Thiago Albeche, além da hipótese de concurso de pessoas, o advogado poderá cometer violência institucional “quando nomeado para desempenhar as funções da Defensoria Pública (advogado dativo)”. Lembre-se que, consoante o STJ, o defensor dativo é funcionário público para fins penais, embora a posição não seja pacífica. Alheio a estas situações, o advogado somente poderá ser punido quando praticar crime diverso (por exemplo, crime contra a honra, quando a ofensa não for pertinente à discussão da causa).


Sendo categorizados esses agressores dirigentes e/ou funcionários de instituições responsáveis pela manutenção da justiça em todo o país, faz-se necessário a penalização destas condutas com o intuito de frear a prática já tão exercida. O tratamento com discriminação; reparos depreciativos, insultos e difamação; isolamento, etc.; e outras formas de violência psicológica reforçam que a dignidade humana de cada uma dessas vítimas deve ser resguardada. Por isso a previsão da violência institucional nas lei acima citadas são de extrema importância para que as práticas violadoras não se façam mais presentes onde a violência já existe. 



Núcleo Científico Interno (NCI)


Dra. Andreza da Silva Jacobsen

Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior




REFERÊNCIAS



BRASIL. Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13869.htm. Acesso em: 01 out. 2024.


BRASIL. Lei nº 14.245, de 22 de novembro de 2021. Altera os Decretos-Leis nos 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), para coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo (Lei Mariana Ferrer).


BRASIL. Lei nº 14.321, de 31 de março de 2022. Altera a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, para tipificar o crime de violência institucional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14321.htm Acesso em: 01 out. 2024.


CUNHA, Rogério Sanches; ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves. O crime de Violência Institucional. Juspodivm, [s. l.], 2022. Disponível em: https:/meusitejuridico.editoraju

spodivm.com. br/2022/05/12/o-crime-de-violencia-institucional/#:~:text=Diz%20que%2C%20por%20 viol%C3%AAncia%20institucional,5%C2%BA%2C%20inciso%20I). Acesso em: 03 out. 2024.


GILABERTE, Bruno. Crime de Violência Institucional. Art. 15-A da Lei nº 13.869/2019. Jusbrasil, 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/crime-de-violencia-institucional/1466584254. Acesso em: 01 out. 2024.

 
 
 

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