Iatrogenia versus erro médico
- Andreza Jacobsen
- 9 de dez. de 2024
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Não é incomum que um tratamento de saúde tecnicamente correto, mas cujo desdobramento gerou um dano ao paciente, seja rotulado como erro do profissional da saúde. Diante desse fato ocorre um equívoco quanto a responsabilização pelo serviço prestado já que é obrigação de meio e não de fim. Infelizmente, pela confusão quanto aos objetivos, o profissional médico acaba que por responsabilizado de maneira indevida, denominando-se como erro médico aquilo que não se configuraria. Mas, o que é a iatrogenia?
A iatrogenia consiste em um estado de doença, efeitos adversos ou alterações patológicas causados ou resultantes de um tratamento de saúde que ainda que realizado corretamente dentro do recomendável, que são previsíveis, esperados ou inesperados, controláveis ou não, e algumas vezes inevitáveis. Contudo, tais efeitos não necessariamente são ruins, podendo, inclusive, ser bons.
Segundo os ensinamentos do professor José Carlos Maldonado de Carvalho leciona que o conceito de iatrogenia significa “as manifestações decorrentes do emprego de medicamentos em geral, atos cirúrgicos ou quaisquer processos de tratamento feitos pelo médico ou por seus auxiliares”. Da mesma forma, a iatrogenia é uma “síndrome não punível, caracterizada por um dano inculpável, no corpo ou na saúde do paciente, consequente de uma aplicação terapêutica isenta de responsabilidade profissional”. Ainda que em casos de efeitos negativos, os danos advindos de iatrogenia não podem ser confundidos com erro médico, pois são conceitos distintos.
São os exemplos mais comuns de iatrogenia as interações medicamentosas, os efeitos adversos de medicamentos, a utilização indiscriminada de antibióticos (o que leva à resistência das bactérias), quimioterapias e radioterapias (queda capilar, anemia, náuseas, etc.), infecções, dentre outros.
A iatrogenia, portanto, não acarreta a responsabilidade civil do profissional da saúde, eis que decorrente de um agir tecnicamente correto. Nesse caso, além da intenção benéfica do profissional para a tentativa de cura do paciente, há um proceder preciso e correto, de acordo com as normas e princípios ditados pela ciência de sua área profissional.
Parte dos Tribunais brasileiros, já vêm entendendo o dano iatrogênico como consequência inerente a condição do paciente, não constituindo ilícito e por isso não repercutindo em conduta punível. A jurisprudência traz entendimento desfavorável ao deferimento de dano iatrogênico, conforme:
APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO INTERPOSTO COM FUNDAMENTO NO CPC/73. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. ERRO MÉDICO. DANO IATROGÊNICO. DANO MORAL E ESTÉTICO INEXISTENTES. Narra a Autora que procurou a Casa de Saúde para dar à luz, porém recebeu a informação de que sua gravidez sofreu complicações, sendo necessário um corte do lado esquerdo para retirada do nascituro, sofrendo fortes dores. Afirma que, em razão disto, foi submetida à uma colostomia e, posteriormente, a novo procedimento cirúrgico. Sustenta a existência de erro médico. Hospital que em sua defesa alegou que durante a realização do parto foi constatada a existência de aderência decorrente de cirurgias anteriores, o que provocou lesão na alça intestinal no momento da realização do parto. Destaque-se que o parto cesariana se deu sem qualquer intercorrência e a incisão ocorrida no flanco esquerdo ocorreu em razão da colostomia. Laudo pericial que atesta que não há critério técnico que autorize dizer que o profissional tenha se afastado das regras técnicas ou tenha obrado de forma inadequada durante o ato cirúrgico . Além disso os profissionais afirmam que foram surpreendidos com as referidas aderências no momento do parto, realizando manobras necessárias para conter a situação emergencial que se apresentava, situação que foi ratificada pelo I. Perito no laudo produzido. Trata-se de lesão previsível ou sequela do tratamento decorrente da invasão do corpo, a que se denomina iatrogenia, ou dano iatrogênico, também identificada como meio necessário para atuação médica. As lesões iatrogênicas decorrentes do procedimento médico adotado são incapazes de gerar responsabilidade. O Hospital não pode ser responsabilizado por evento que não decorreu de defeito do serviço, mas sim das condições próprias da paciente. Sentença de improcedência que não merece reparo. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJ-RJ - APL 00499689420118190038, SEXTA CÂMARA CÍVEL CONSUMIDOR, Relator: DENISE NICOLL SIMÕES, Data de Publicação: 25/07/2016)’'.
Além da iatrogenia ser um efeito adverso ao erro médico, algo que auxilia na distinção é que todo o paciente antes de passar por algum tipo de tratamento médico autoriza através de um termo de consentimento sobre as consequências daquele procedimento de saúde necessário. Nesse contexto, Kfouri Neto define, 2019, p.1137):
Consentimento é o comportamento mediante o qual se autoriza a alguém determinada atuação. No caso do consentimento para o ato médico, uma atuação na esfera físico-psíquica do paciente, com o propósito de melhoria da saúde do próprio enfermo ou de terceiro (KFOURI NETO, 2019, posição 1137).
Diante da situação não há que se confundir os termos iatrogenia e erro médico, pois, este, sim, gerador da responsabilidade civil do profissional pelos danos dele decorrentes. O erro médico encontra amparo na forma de conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, sendo possível produzir um dano à vida ou à saúde do paciente. Tal dano pode ser caracterizado como imperícia, negligência ou imprudência do profissional médico, no exercício de suas atividades profissionais.
Já a lesão ou dano iatrogênico poderia ser entendido como situação previsível, proveniente de conduta necessária onde o profissional médico utilizou-se dos meios necessários visando a melhora do paciente, agindo de maneira diligente e respeitando os preceitos éticos e legais, não gerando, desse modo, qualquer responsabilidade em nenhuma de suas esferas. Em contraponto, as falhas no exercício profissional, adentram no âmbito da ilicitude e, consequentemente, da responsabilidade civil, uma vez o profissional agindo com culpa.
Logo, para que se configure o erro médico, que a conduta ou omissão do profissional tenha sido causadora direta do dano ao paciente. Além disso, é necessário demonstrar que este ocorreu por um agir negligente, imprudente ou imperito do profissional. Pode ocorrer, por exemplo, de o paciente possuir uma doença rara, até então latente, e que foi desencadeada pelo tratamento de uma doença simples, como uma gripe, e acabou gerando danos irreversíveis ao paciente. Nesse caso, não é possível que se impute ao médico a responsabilidade pelos danos irreversíveis, pois a doença rara era, até então, desconhecida e não diagnosticável, de modo que era impossível ao médico saber que a pessoa a possuía e que, portanto, seu tratamento poderia gerar tais danos ao paciente.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
GIOVANINI, Ana Elisa Pretto Pereira. Iatrogenia e erro médico. CRM/PR, 2014. Disponível em: https://www.crmpr.org.br/Iatrogenia-e-erro-medico-13-32046.shtml. Acesso em: 09 dez. 2024.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. edição. Editora Re- vista dos Tribunais. São Paulo. 2019. Edição do Kindle.
MERCURI, Daniela Brito; PINHEIRO, Monalisa Barbosa Pimentel. Dano iatrogênico à luz da boa fé objetiva, uma análise do direito à informação do paciente e do ônus probatório. Estudos de casos em Direito Médico e da Saúde. Org. Gabriela Sady; Lucas Macedo. OAB: ESA, Salvador, 2021, p. 43-61.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. Procedimento Comum Cível nº 10433 0002542-22.2020.8.16.0146. Rafael da Silva Melo Glatzl - Juiz Substituto, Rio Negro, 03 de agosto de 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1668591948/inteiro-teor-1668591950. Acesso em: 09 dez. 2024.
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