Erro médico na colocação do DIU gera dever de indenizar
- Andreza Jacobsen
- 11 de nov. de 2024
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O erro médico está tipificado no artigo 1º do Código de Ética Médica, que diz: “é vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”, do contrário gera o dever de indenização. Segundo a jurisprudência do TJ-DF - 7133269120228070018 1660538 ementa publicada em 17/02/2023 aduz que:
APELAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE CONHECIMENTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. IMPLANTAÇÃO DE DISPOSITIVO CONTRACEPTIVO INTRAUTERINO (DIU). GRAVIDEZ INDESEJADA. PERFURAÇÃO DE ÓRGÃO. DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO OBSERVADO. AGRAVAMENTO DO ESTADO DE SAÚDE MENTAL DA PACIENTE. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE LIVRE PLANEJAMENTO FAMILIAR. LESÃO A DIREITOS DE PERSONALIDADE. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA INVERTIDA. 1. Apelação interposta contra a sentença que, nos autos de ação de conhecimento ajuizada contra o Distrito Federal, julgou improcedente o pedido apresentado na petição inicial. A autora, ora apelante, busca condenação do ente distrital a pagar compensação pecuniária por danos morais decorrentes de falha na implantação de dispositivo contraceptivo intrauterino (DIU) que teria causado gravidez indesejada, perfuração de órgão e agravamento dos distúrbios psiquiátricos da paciente. 2. Com base no art. 37 , § 6º , da CF , para reparação civil de danos morais decorrentes de erro médico ou de falha na prestação do serviço público de saúde, é necessário constatar ação ou omissão estatal que forme nexo de causalidade com os danos relatados. 3. Por meio do conjunto probatório, verifica-se que a apelante foi surpreendida com gravidez de alto risco e com as complicações geradas pela má inserção de dispositivo contraceptivo intrauterino, o que provocou lesões a órgãos intra-abdominais, além de agravamento de seu estado de saúde mental. A recorrente, que tem histórico de transtorno depressivo com ideações suicidas, decidiu inserir o dispositivo para evitar novas gestações indesejadas e, quando descobriu que estava grávida mesmo após adotar o referido método contraceptivo, tentou, mais uma vez, tirar a própria vida, motivo pelo qual foi internada para acompanhamento ginecológico e psiquiátrico e posteriormente submetida a procedimento invasivo para retirada do DIU. 4. Diante da ausência de informações adequadas sobre vantagens, desvantagens e riscos inerentes à inserção do dispositivo intrauterino (já que não há registro de assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), da ocorrência de gravidez inesperada e da constatação de mal posicionamento do DIU - que perfurou o útero, alcançou cavidade abdominal e causou reação inflamatória no apêndice (órgão removido, junto com o dispositivo, em intervenção cirúrgica) -, caracteriza-se a falha nos serviços prestados na rede pública de saúde, a ensejar responsabilidade civil objetiva do Distrito Federal. 5. Constatado que o ato ilícito frustrou a legítima expectativa da apelante - que confiou na eficácia e na adequação do procedimento de implantação do método contraceptivo -, causou danos à sua integridade física e psíquica (pois foi submetida a cirurgia, durante a gravidez, para retirada de dispositivo que perfurava órgãos intra-abdominais, expondo a gestante e o feto a risco), além de violar seu direito ao livre planejamento familiar (art. 226 , § 7º , da CF ), afetando questões sensíveis à liberdade feminina, especialmente o direito à livre opção quanto ao momento de gestar e exercer a maternidade, conclui-se que houve lesão a direitos de personalidade capaz de justificar a condenação do Distrito Federal a compensar danos morais (art. 5º , X , da CF e art. 12 do CC ). 6. De acordo com o critério bifásico para quantificação de danos morais, à luz das peculiaridades do caso concreto, principalmente as características da apelante e seu frágil estado de saúde psíquica à época do evento danoso, reputa-se razoável e proporcional fixar o valor de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para a compensação pecuniária. 7. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada. Distribuição do ônus de sucumbência invertida.
Outra decisão que gerou indenização por danos morais de R$ 70 mil a um casal que teve uma filha gerada por conta de erro médico na colocação do Dispositivo Intrauterino – DIU ocorreu na 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal e de Registro Público da Comarca de Goiânia na qual condenou o município a pagar a indenização. O juiz reconheceu que “a vontade dos autores era de não terem mais filhos, ou seja, foram vilipendiados em seu direito ao livre planejamento familiar, respaldado no art. 226, § 7º, da Constituição Federal”.
No caso em questão o casal já tinha dois filhos, de 13 anos e um ano de idade, e segundo o alegado, a mulher passou a usar anticoncepcional desde o nascimento do primogênito – o que fundamenta o espaço de tempo entre as gestações. Ao dar à luz na maternidade do requerido, em julho de 2018, a genitora manifestou a vontade de fazer uma laqueadura, pois o casal não desejava mais ter filhos. A médica responsável pelo parto afirmou que não poderia atender o pedido em razão da idade da mulher, todavia, garantiu a ela o direito ao DIU. Ainda de acordo com o casal, logo após o parto normal induzido, a médica iniciou os procedimentos para introdução do DIU, e a mulher queixou-se de dores e sangramento. Segundo os autores, a profissional médica informou que o dispositivo uterino havia sido bem colocado e a orientou a retornar à maternidade em 45 dias, para acompanhamento do parto e do DIU inserido, por meio de exames de ultrassonografia.
Os autos relataram que na data agendada, o casal foi à maternidade para fazer o acompanhamento e, mesmo sem ter realizado o exame de ultrassonografia, o médico atendente afirmou à mulher que estava tudo bem e que era para ela retornar em seis meses para uma nova prevenção em relação ao funcionamento do DIU. Os autores alegaram que, nesse período, a requerente, que não sentia a presença do DIU, começou a vivenciar sintomas de gravidez, em razão da ausência de menstruação, e decidiu, antes de retornar à maternidade, fazer exame hormonal, que constatou a gravidez em 2019.
Para confirmar a gravidez, a mulher fez uma ultrassonografia endovaginal, que certificou a gestação de oito semanas e seis dias, e não constatou a presença do DIU. Na ação, o casal imputou à maternidade a responsabilidade pela gravidez inesperada, “vez que o corpo médico manipulou erroneamente o dispositivo uterino, ou sequer o colocou”.
Segundo o juiz responsável pelo caso, a autora demonstrou, pelo Cartão da Paciente do Ministério da Saúde, apresentado na inicial, que logo após o parto, inseriu o DIU de Cobre, na data de 12 de julho de 2018; e que restou comprovado, também, pela ultrassonografia morfológica, de 23 de julho de 2019, que a mulher estava grávida de 23 semanas e cinco dias, aproximadamente, ou seja, menos de um ano depois de, supostamente, ter colocado o DIU, engravidou novamente. “De duas, uma, ou mal colocado, ou, não foi inserido o aludido DIU.” A falha técnica houve e o magistrado responsável pelo caso pontuou que em nenhum exame apresentado nos autos foi constatado que não havia sido inserido qualquer dispositivo intrauterino na mulher, o que evidenciou a falha técnica na conduta médica pelo atendimento na maternidade.
Dessa maneira, a gravidez não planejada, resultou de ato ilícito, perpetrado pelos prestadores de serviços do requerido, o que ensejou a responsabilidade objetiva por parte do município pelos danos causados. Para o magistrado do caso, a liberdade de decisão do casal, quanto ao seu planejamento familiar deveria ter sido justamente resguardada, pois, trata-se de direito fundamental que envolve direitos como à vida (da criança e da mãe), à autonomia da vontade e à dignidade da pessoa. Todavia, esses direitos não foram resguardados, pelo sistema de saúde do município, gerando assim o dever de indenizar. Segundo a falha médica ocorrida sob a ótica do Código Civil em seus artigos:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Nesse sentido a legislação civil destaca ser devida indenização por aquele que, no exercício da respectiva atividade profissional, agir com negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Ainda conforme o TJ-PR em sua jurisprudência trouxe mais um caso semelhante explanando a temática com a Apelação: 175000720198160030 - Foz do Iguaçu em 18/04/2023:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. IMPLANTAÇÃO DE NOVO DISPOSITIVO INTRAUTERINO (DIU) SEM A RETIRADA DO ANTERIOR. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO QUE REVELA A FALHA NO ATENDIMENTO MÉDICO. PRONTUÁRIO MÉDICO E EXAME ANTERIOR A INSERÇÃO QUE INDICAVAM QUE A PACIENTE PORTAVA O DISPOSITIVO. DANO MORAL EVIDENCIADO. FORTES DORES PÉLVICAS NÃO TRATÁVEIS E DIFICULDADE EM MANTER RELAÇÃO SEXUAL HABITUAL ENTRE O CASAL CONFIRMADAS PELA MÉDICA QUE PASSOU A ASSISTI-LA. SANGRAMENTOS E LEUCORRÉIA CERTIFICADAS NO LAUDO PERICIAL. INTERVENÇÃO CIRÚRGICA PARA REMOÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. MANUTENÇÃO. VALOR INDENIZATÓRIO FIXADO QUE NÃO IMPLICA NA PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DEMANDA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 326 DO STJ. JULGAMENTO DE PROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO DOS RÉUS DE FORMA SOLIDÁRIA AO PAGAMENTO INTEGRAL DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. DECISÃO RETOCADA.APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELO ADESIVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 9ª Câmara Cível - 0017500-07.2019.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR ARQUELAU ARAUJO RIBAS - J. 03.04.2023)
A responsabilidade civil em falhas cometidas por médicos, durante o procedimento de implantação do DIU, como salientado é responsabilidade é subjetiva, aplicando-se a regra prevista no § 4º do art. 14 do CDC, segundo o qual a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa em sentido amplo do médico, por dolo, negligência, imperícia ou imprudência durante a realização do procedimento. Em situações de responsabilização da pessoa jurídica (hospital ou fabricante do produto), a responsabilidade é objetiva, independentemente de culpa, bastando que se comprove que o procedimento foi realizado naquele hospital e o dano decorrente da falha na prestação do serviço.
Nesses casos de implantação incorreta de DIU destaca-se que nessas situações, os pais (ou apenas aquele que se submeteu ao procedimento ou fez uso do método contraceptivo) podem deduzir, em nome próprio, uma pretensão de reparação civil contra os médicos, o hospital ou contra o fabricante (no caso de produto defeituoso), para reaver os gastos com a gravidez e criação do filho (danos materiais) e, especificamente a mãe, pode ser compensada pelo abalo moral sofrido.
A origem da pretensão da mãe de compensar-se pela dor e sofrimento físicos provenientes da gestação é baseada na jurisprudência anglo-americana como ‘the mother’s claim’, enquanto que a pretensão dos pais quanto a efeitos reparatórios pelos gastos com a criação e educação do filho é chamada de ‘parent’s claim”.
Logo, a responsabilidade é solidária quando todos os que integram a cadeia de consumo, sendo o hospital, clínica ou sociedade médica responsáveis objetivamente, pelos danos causados aos consumidores-clientes, todavia, os profissionais médicos respondem subjetivamente pelas suas condutas. Portanto, diante da discussão corriqueira em relação às falhas em serviços médicos que impactam diretamente na saúde e planejamento familiar dos cidadãos a prática da indenização visa ao menos aliviar esses impasses ocorridos no âmbito social das famílias. É também um fomento à redução dessas falhas que causam transtornos tanto no âmbito da saúde e no plano social.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 nov. 2024.
BRASIL. Código de Ética Médica. Resolução CFM nº 2.217 de 27/09/2018. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 11 nov. 2024.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em: 11 nov. 2024.
INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Gravidez após erro médico na colocação do DIU gera dever de indenizar. 2021. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/8501Gravidez+ap%C3%B3s+erro+m%C3%A9dico+na+coloca%C3%A7%C3%A3o+do+DIU+gera+dever+de+indenizar. Acesso em: 11 nov. 2024.
JUSBRASIL. Jurisprudência sobre DIU. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=diu&tribunal=tj_pr. Acesso em: 11 nov. 2024.
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