Direito à regularização da documentação do preso: um requisito primordial para a progressão de regime de pena
- Andreza Jacobsen
- 29 de out. de 2024
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Toda pessoa tem direito à identidade, nacionalidade, nome (prenome) e nome dos pais e reconhecimento de personalidade jurídica conforme Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, art. 6º e 15º; Pacto de San Jose da Costa Rica, artigos 3º e 18º. A inexistência desses documentos, invisibiliza o indivíduo perante o Estado, por isso a documentação é fundamental para o acesso e o exercício da sua cidadania. Desse maneira, a documentação básica é importante para garantia de direitos, principalmente na condenação de apenado. A falta de documentos dificulta o acesso ao trabalho e a outras políticas públicas, incluindo visitas de familiares.
A Lei de Execução Penal (LEP/1984, art. 3º) expressa os direitos estabelecidos à pessoa privada de liberdade: o direito à alimentação, ao trabalho, à saúde, à assistência (material, jurídica, educacional, social e religiosa) e à previdência social. Dispõe no Parágrafo único que "Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”.
Já a regularização da situação documental é direito garantido na Lei de Execuções Penais. Seu artigo 23 determina explicitamente que cabe ao serviço de assistência social da unidade prisional: promover a notificação de documentos.
É responsabilidade do Estado, sob quem estão submetidas, viabilizar os meios para a regularização dos documentos das pessoas privadas de liberdade, desde o Registro Civil de Nascimento até a expedição de documentos como a Certidão de Nascimento, RG, CPF e Carteira de Trabalho, além da Carteira de Registro Nacional Migratório para estrangeiros, do Título de Eleitor, do Certificado de Reservista e do Cartão SUS.
Em 2018, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Segurança Pública publicou uma resolução que traz orientações para a erradicação do sub-registro civil de nascimento e ampliação do acesso à documentação básica para as pessoas de liberdade. A resolução reconhece que o exercício da cidadania, que inclui direitos e deveres, é realizado por meio da documentação pessoal básica. A resolução também define que:
É de responsabilidade da assistência social de cada unidade prisional, desde o momento da porta de entrada, a verificação da situação documental da pessoa que ingressa na unidade. Desde a entrada, deve ser analisada a posse de documentos, a necessidade de regularização e a necessidade de emissão de novos documentos. A administração prisional deverá procurar os órgãos emissores para estabelecer o fluxo de emissão e regularização da documentação pessoal básica. A documentação física, recebida pela administração prisional, deverá ser arquivada no prontuário de cada interno.A família poderá retirar a documentação quando necessário, mediante termo de responsabilidade assinado pela pessoa privada de liberdade. Na saída temporária, a assistência social deverá entregar ao preso beneficiado um dos documentos básicos de identificação com foto, mediante termo de responsabilidade com o compromisso de retornar com o documento.
Em caso de transferência de unidade, toda documentação deverá ser encaminhada à nova unidade. No momento da saída da unidade, seja por progressão de regime, por livramento condicional ou alvará de soltura, deverá ser entregue toda documentação ao titular. Os órgãos emissores deverão garantir a gratuidade, nos termos da legislação existente.
Todos os órgãos envolvidos no sistema penal devem garantir a guarda e manutenção da documentação pessoal básica das pessoas privadas de liberdade, quando possível por meio digital, e sensibilizar seus servidores sobre a importância desta documentação.
A Administração Prisional deverá promover a implantação do cadastramento biométrico das pessoas privadas de liberdade para fins da Identificação Civil Nacional, com o objetivo de identificar o brasileiro em suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados.
A ausência de documentos ou mesmo de registro civil de nascimento impede sua reinserção no estudos, no ambiente profissional, o que pode intensificar a vulnerabilidade de sua família e principalmente atrasar o processo de execução penal, inclusive a sua liberdade. A frequência as aulas e ao trabalho são umas das prerrogativas essenciais para que o preso consiga a progressão de regime. Quando há o bloqueio de acesso a essas atividades de progressão, o estado ao não tomar providencias, acaba que por violar diretamente o princípio da dignidade humana, e principalmente o princípio da legalidade. Conforme traz a Lei 7.210/1984 em seu:
Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.
§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.
Ainda sobre a assistência educacional que é garantia do preso para a progressão de regime, conforme a LEP:
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.
Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização.
§ 1o O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou administração penitenciária.
§ 2o Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de educação de jovens e adultos.
§ 3o A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos e às presas.
A ausência do acesso a regularização da documentação é um obstáculo à realização da justiça, pois vale ressaltar que quase metade das pessoas hoje encarceradas ainda não foram condenadas em definitivo. Outro fator importante é também, as barreiras de acesso aos direitos do preso, dificulta o processo de ressocialização, dessa forma aumenta-se as chances de reincidência. A falta de acesso à documentos é, portanto, uma situação que não só traz dificuldades e impede a realização de direitos da pessoa privada de liberdade, mas, que realimenta a vulnerabilidade social e a crise da segurança pública que o Brasil enfrenta.
O sistema penitenciário brasileiro não deve ser um espaço de punição e castigo, e sim um instrumento que traz a pessoa temporariamente privada de liberdade de volta ao convívio com uma sociedade. A regularização de documentos é um primeiro e decisivo passo na direção da restauração da cidadania e na reinserção social dessas pessoas.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 out. 2024.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 29 out. 2024.
ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Direito à Identidade, Cidadania e Documentação. Escola Virtual do Governo, 2024. Disponível em: https://mooc41.escolavirtual.gov.br/course/view.php?id=7463#section-5. Acesso em: 29 out. 2024.
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