Dever de abstenção de abuso no Direito Médico
- Andreza Jacobsen
- 17 de fev.
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Ao avaliar um dano produzido por uma conduta médica, deve ficar claro, se o profissional agiu com a cautela devida, e descaracterizada de precipitação, inoportunismo ou insensatez. Até porque a norma penal relativa aos atos culposos exige das pessoas o cumprimento de certas regras cuja finalidade é evitar danos aos bens jurídicos protegidos.
Exceder-se na terapêutica ou nos meios propedêuticos mais arriscados é uma forma de desvio de poder e, se o dano deveu-se a isso, não há porque negar a responsabilidade profissional. Ainda que esses meios não sejam invasivos ou de grande porte, é devida a sua desnecessidade. Se o autor assume um risco excessivo que ultrapassa uma conduta não permitida e que no momento da ação ele conheça nela um risco ao bem jurídico tutelado se configura rompimento do dever de abstenção. A capacidade de avaliar se tal conduta gerará dano ao indivíduo segue de acordo com a boa qualificação profissional de dever subjetivo de cuidado, pois, configura-se como um grau mais elevado de responsabilidade.
No dever subjetivo de cuidado avalia-se em cada caso o que deveria ser concretamente seguido, exigindo-se do autor um mínimo de capacidade para o exercício daquele ato e a certeza de que outro profissional em seu lugar teria condição de prever o mesmo dano. Se seguiu as mesmas técnicas daquele procedimento, ou se não desviou dos cuidados e das técnicas que normalmente se exigiriam.
Qualquer ato profissional mais ousado e inovador, externo ao consentimento esclarecido ou de seu representante legal, tem de ser justificado e legitimado pela imperiosa necessidade de intervir. Nesse ponto, é fundamental o respeito à vontade do paciente consagrada pelo princípio da autonomia.
A falta com o dever de abstenção de abuso quando por exemplo, o médico opera pelo relógio, que dispensa a devida participação do anestesista ou que delega certas práticas médicas a pessoal técnico ou a estudantes de medicina, sem sua supervisão e instrução. Nesse caso, mesmo sendo comprovada a imprudência ou negligência deles, não se exclui, a responsabilidade do médico por culpa in vigiando.
Também constitui abuso ou desvio de poder o médico fazer experiência no homem, sem necessidade terapêutica, colocando em risco sua vida e sua saúde. Isso não quer dizer que se excluam da necessidade do homem do futuro as vantagens do progresso da ciência e a efetiva participação do pesquisador. É necessário que ele não se posicione contra o princípio da dignidade humana e entenda que o objetivo da pesquisa é avançar em favor dos interesses do coletivo. Também, não se pode julgar com insensatez ou intempestividade que o risco assumido em favor do paciente, superior ou habitual o qual se poderia chamar de risco permitido ou risco-proveito.
Uma cirurgia plástica de resultado desastroso feita em menor de idade, sem autorização de seus responsáveis, no próprio consultório do médico e sem auxiliar habilitado, é um exemplo de imprudência médica. Fica caracterizado o desvio de poder por algumas razões. Primeiro, sendo o paciente menor e não se tratando de intervenção por iminente perigo de vida, necessitava o médico de autorização de quem represente o paciente. Depois, sendo uma intervenção de maior complexidade, exige-se a presença de um auxiliar médico capaz de conduzir o processo diante de uma situação inesperada. Finalmente, o consultório médico não é o local mais adequada para aquele tipo de cirurgia, principalmente quando ali não existiam as condições mínimas da prática exercida.
Logo, o dever de evitar abuso é muitas vezes comprometido pela vaidade do profissional que decide ousar de técnicas audaciosas ou recém-criadas, sem a eficiência comprovada, abandonando uma prática convencional e segura, apenas para demonstrar uma capacidade inusitada. Portanto, diante do dano em tal situação, não se pode rotular o profissional de imperito, mas, com a justa razão, de imprudente. Até porque num mesmo ato não pode coexistir, a imprudência e a imperícia, pois, uma anula a outra.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Me. Andreza da Silva Jacobsen
Esp. Edmundo Rafael Gaievski Junior.
REFERÊNCIAS
FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
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