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Desistência da Adoção de Crianças e Adolescentes e a Responsabilidade Civil

  • Foto do escritor: Andreza  Jacobsen
    Andreza Jacobsen
  • 29 de nov. de 2024
  • 6 min de leitura

A adoção é um dos mecanismos mais importantes para garantir os direitos de crianças e adolescentes que, por diversas razões, não podem viver com suas famílias biológicas. Sobre a adoção, Rubens Limongi França a conceitua como "(...) um instituto de proteção à personalidade, em que essa proteção se leva a efeito através do estabelecimento, entre duas pessoas - o adotante e o protegido adotado - de um vínculo civil de paternidade (ou maternidade) e de filiação."


É o ato pelo qual se estabelece o parentesco civil (Art. 1593, CC), trazendo alguém para sua família e estabelecendo vínculos de filiação. Está regulamentada no ECA e deve ser deferida quando apresentar reais vantagens ao adotado e fundar-se em motivos legítimos (Art. 43, ECA). A adoção proporciona para muitas crianças e adolescentes, a possibilidade de construção de um vínculo afetivo e de inserção em uma nova estrutura familiar. É uma das formas humanitárias de inclusão daquele infante que muitas vezes sofre com o abandono e a falta da devida atenção da família. Porém, o processo de adoção nem sempre é simples, e em alguns casos pode ocorrer a desistência da adoção após a decisão judicial ou durante o período de convivência com a criança ou o adolescente.


A desistência da adoção é um tema delicado, que envolve implicações jurídicas e afetivas profundas, tanto para os adotantes quanto para os adotados. Nesse contexto, é fundamental discutir a responsabilidade civil dos adotantes e das autoridades envolvidas no processo, a fim de compreender as consequências legais dessa desistência e como proteger os direitos da criança ou do adolescente.


O processo de adoção no Brasil é regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990) e pelo Código Civil, sendo, realizado por meio de um procedimento judicial. A adoção, em regra, ocorre após um período de convivência e convivência provisória, durante o qual os futuros adotantes conhecem a criança ou adolescente e avaliam a possibilidade de oferecer um ambiente familiar adequado.


A decisão pela adoção, em muitos casos, é acompanhada de grande expectativa tanto por parte dos adotantes, que buscam construir uma família, quanto pela criança ou adolescente, que, muitas vezes, já passou por diversos traumas, como a perda de seus pais biológicos ou a vivência em instituições de acolhimento. A decisão de adotar é geralmente uma escolha pensada, que visa o bem-estar da criança, e é tomada após a análise de várias questões, como a compatibilidade entre adotante e adotado, o ambiente familiar e a preparação psicológica.


A desistência da adoção é um fenômeno que, embora raro, ocorre em algumas situações, seja por parte dos adotantes ou por decisão da autoridade judicial responsável pelo processo. A desistência pode ocorrer em dois momentos principais: A Desistência durante o período de Convivência Familiar: O período de convivência é a fase em que a criança ou o adolescente já está com a família adotiva, mas, o processo de adoção ainda não foi finalizado judicialmente. Durante essa fase, é possível que surjam dúvidas por parte dos adotantes quanto à capacidade de lidar com as necessidades da criança ou até mesmo em relação à adequação da criança ao ambiente familiar. A desistência durante esse período pode causar grande impacto emocional para a criança ou adolescente, que pode já ter criado vínculos afetivos com os adotantes. O processo de convivência, por mais curto que seja, pode ser suficiente para a formação de laços afetivos, e a quebra desses laços pode gerar danos psicológicos significativos para a criança, que passa a enfrentar uma nova mudança de vida e pode ser novamente inserida em um sistema de acolhimento ou reencaminhada a outra família.


Já a Desistência após a Decisão Judicial de Adoção em casos mais raros, ocorre após a sentença que decreta a adoção. Nesse caso, a desistência é mais complexa, pois a decisão judicial tem como premissa a legalidade da adoção. Caso os adotantes desistam após a decisão judicial, eles podem ser considerados responsáveis por danos causados à criança, especialmente em relação aos danos psicológicos e emocionais, que são, muitas vezes, irreparáveis. Essa forma de desistência, após a formalização da adoção, pode ter efeitos prejudiciais não apenas no bem-estar imediato da criança, mas também pode afetar a confiança da criança na estabilidade da nova família e na própria ideia de pertencimento familiar. 


Dessa maneira, não há que se negar que ambas as formas de desistência quebram um vínculo, uma conexão já formada entre adotantes e adotados gerando assim, um impacto emocional de grandes proporções naquela criança. Remetendo a este fator, o Estado através da legislação não deixou de lado o dever se proteger essas crianças pelas consequências negativas advindas dessa conexão desfeita. Por isso, a previsão da Responsabilidade Civil na Desistência da Adoção, envolve tanto a responsabilidade dos adotantes quanto a dos profissionais e instituições envolvidas no processo de adoção. Dessa maneira, o objetivo é assegurar que os direitos da criança ou do adolescente sejam preservados, principalmente, do ponto de visto da dignidade da pessoa humana, garantindo que a desistência não propague ainda mais danos a quem já sofreu tamanho impacto.


Logo, a responsabilidade dos adotantes, é necessária, pois estes ao se comprometerem com o processo de adoção, assumem uma série de responsabilidades perante a criança ou adolescente adotado. De acordo com o artigo 1.634 do Código Civil, os pais adotivos têm deveres semelhantes aos pais biológicos, o que implica não apenas o direito à guarda, mas, também a responsabilidade pela educação e pelo bem-estar da criança. Por consequência disso, a desistência da adoção é considerada uma violação dessa responsabilidade, gerando aos adotantes o dever de indenizar o adotado por esses danos, conforme os princípios da responsabilidade civil por atos ilícitos.


Já a responsabilidade das autoridades e instituições envolvidas, recai sobre o judiciário e as instituições de acolhimento, por conta de que estes  devem garantir que o processo de adoção seja conduzido de maneira adequada, transparente e não dolorosa com a devida preparação tanto para a criança quanto para os adotantes. 


Isso inclui a avaliação psicológica dos adotantes, a preparação da criança para a adoção e o acompanhamento do processo de convivência. Todavia, em caso de falhas no acompanhamento ou na orientação, a instituição responsável também pode ser responsabilizada pelos danos resultantes da desistência. Uma vez que essas instituições tem o dever se agir, na supervisão e no cuidado ficar inertes gera automaticamente a devida reprimenda, principalmente com a indenização proporcional ao caso específico.  


Já a responsabilização danos psicológicos e afetivos advém do rompimento da adoção pela caráter voluntário dos adotantes, o que por si só considera que dessa relação ainda que curta haverá o dano psicológico, como já abordado, como um dos maiores riscos, pois, as crianças e adolescentes que já enfrentaram traumas significativos em suas vidas, como a perda dos pais biológicos, abandono, institucionalização, sofrem novos impactos que remetem a experiências negativas. A interrupção abrupta do vínculo com a família adotiva resulta em sérios problemas de autoestima, insegurança emocional e dificuldades de socialização.


No contexto jurídico, a responsabilidade civil por danos psicológicos pode ser reivindicada pela criança, caso ela seja maior de idade, ou por seu representante legal, caso seja menor. Os tribunais, ao analisarem casos de desistência de adoção, frequentemente consideram a necessidade de compensação pelos danos psicológicos causados e a busca por uma solução que minimize os efeitos emocionais e sociais sobre o adotado. A devida indenização considerada pelos magistrados já demonstra um avanço na aplicação das práticas humanizatórias no interior dos tribunais. 


Há também medidas que podem os efeitos da desistência da adoção, pela aplicação de uma série de medidas preventivas e corretivas, como: A preparação adequada dos adotantes com a frequência em programas de capacitação para futuros adotantes, com a orientação sobre as responsabilidades afetivas, psicológicas e jurídicas da adoção; O acompanhamento psicológico contínuo tanto para os adotantes quanto para a criança durante o processo de convivência e até após a formalização da adoção; Os Processos de adoção mais seletivos com a avaliação mais rigorosa dos adotantes, incluindo acompanhamento psicológico e entrevistas detalhadas, para garantir que estão preparados para lidar com as exigências emocionais advindas da adoção; A Garantia de alternativas de acolhimento com a manutenção de um sistema eficiente de acolhimento, pois caso a desistência ocorra, a criança ou adolescente não seja exposta ao reprise traumático.


Portanto, a desistência da adoção é uma temática que exige uma reflexão cuidadosa sobre os direitos das crianças e adolescentes e a responsabilidade dos adotantes e das instituições envolvidas. Logo, o processo de adoção implica um compromisso profundo e duradouro com o bem-estar da criança ou adolescente, e a desistência deve ser tratada com seriedade, por todos os envolvidos nesse processo. A responsabilidade civil dos adotantes e das instituições é crucial para assegurar que os direitos da criança sejam protegidos, e medidas preventivas devem ser adotadas para evitar que a desistência gere consequências irreparáveis para o adotado.



Núcleo Científico Interno (NCI)


Dra. Andreza da Silva Jacobsen

Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior.



REFERÊNCIAS





BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990.  Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 29 nov. 2024.


FRANÇA, Rubens Limonghi.. Instituições do Direito Civil. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.


PAIANO, Daniela Braga; ESPOLADOR, Rita de Cássia Resquetti Tarifa, FURLAN, Alessandra Cristina. Desistência da adoção e devolução de crianças adotadas - uma reflexão sobre suas consequências à luz de decisões do STJ. Migalhas, 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/399193/desistencia-da-adocao-e-devolucao-de-criancas-adotadas.

 
 
 

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