Da obrigação de meio versus obrigação de resultado dentro dos casos médicos
- Andreza Jacobsen
- 17 de out. de 2024
- 6 min de leitura
As obrigações de meio em casos médicos denominam-se, como obrigações de prudência, diligência (de atividade), de cuidado. Sendo de meio, o médico só se obriga a desenvolver atividades ou providências conducentes (que conduz; útil) ao propósito de um resultado esperado (a cura ou, no caso de anestesiologia, propiciar as condições necessárias à realização de determinada intervenção – posto que anestesia não cura, é meio auxiliar). Logo, o médico não se compromete com o resultado. Nas obrigações de meio, a interferência de um fator aleatório impede que o médico, de antemão, garanta o resultado. Distintamente é o caso da obrigação de resultado, uma vez que a insatisfação com relação ao fim atingido pode ser suficiente para demonstrar o descumprimento da obrigação.
Nas obrigações de resultado, o simples fato de não se obter o fim desejado implica o descumprimento da obrigação e acarreta o dever de indenizar. Portanto, se a finalidade do ato médico não for atingida, não importa que o profissional tenha enviado todos os seus esforços, com a técnica recomendada, toda atenção e prudência. Pelo só fato de não atingir a meta esperada, terá descumprido o contrato que se estabelece com o paciente. O que importa, neste caso, é que o objetivo contratado não foi atingido, independentemente da diligência do devedor, e do correto emprego de todas as técnicas e equipamentos existentes e à disposição deste. No caso de profissional médico lhe é imposto demonstrar o caso fortuito e a força maior, além de seus esforços, que impediram a concretização dos resultados.
Segundo a fundamentação explanada por Hildegard Giostri, com relação à atividade médica, independentemente, do tipo de obrigação, a prova incumbe ao credor:
No âmbito prático, na área da responsabilidade médica, o que se tem visto é que tanto nas obrigações de meio quanto nas de resultado, a carga probatória incumbe ao credor, em especial quando atua uma pretensão de um cumprimento não atingido e, isto, tanto num caso quanto no outro, ou seja, tanto nas obrigações de resultado quanto nas de meio. O que quer dizer que, no caso de uma prestação obrigacional de resultado, o descumprimento se verificará pela falta do resultado avençado preteritamente (ou, no caso das cirurgias plásticas, de um resultado que “não agrade” ao paciente, mesmo que tecnicamente bem-sucedido). Então, o conteúdo da prova é o próprio descumprimento do fato, em sentido material.
A atividade do profissional da saúde é de meio e não de resultado. Dessa maneira, a medicina se configura como uma ciência inexata por trabalhar com certos fatores de ordem biológica que não se controlam. Há possibilidades, chances, percentuais, pois se trata de um corpo humano. Então, de forma geral, a medicina é tratada como atividade de meio, mas que apresenta exceções. Há uma parcela da Medicina que a jurisprudência entende como sendo atividade fim (de resultado). Ex.: cirurgia plástica estética, tratamentos dermatológicos estéticos, etc. Nesse sentido, destaca a diferenciação entre atividade meio e atividade fim.
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “a obrigação de meio limita-se a um dever de desempenho, isto é, há o compromisso de agir com atenção, empregando a melhor técnica e perícia para alcançar um determinado fim, mas sem se obrigar à efetivação do resultado”. Desse modo, o médico que indica tratamento para determinada doença não tem o dever de garantia da cura do paciente. Por isso, o paciente como consumidor, caso não fique satisfeito com o serviço prestado, lhe incumbe comprovar que houve culpa do profissional, por danos causados por negligência, imperícia ou imprudência do prestador de serviço.
Existem, em menor escala, situações em que o compromisso do profissional é com o resultado, pois, o alcance do objetivo almejado é condição para o cumprimento do contrato. Nancy Andrighi explica que “o contratado se compromete a alcançar um resultado específico, que constitui o cerne da própria obrigação, sem o que haverá a inexecução desta”. A maior parte da doutrina entende que o médico que exerce atividade estética (ex.: cirurgião plástico), compromete-se com o resultado esperado por quem se submeteu à sua atuação. O Superior Tribunal de Justiça tem fundamentado que, nessa categoria, há presunção de culpa do profissional, com inversão do ônus da prova. Quer dizer que: ”Da obrigação de meio versus obrigação de resultado cabe a ele demonstrar que o eventual insucesso não resultou de sua ação ou omissão, mas de culpa exclusiva do contratante, ou de situação que fugiu do seu controle”.
Quanto à discussão entre obrigações de meio e de resultado nas condutas médicas, o CFM (Conselho Federal de Medicina) entende que todas as condutas médicas têm uma obrigação de meio. Pelo entendimento do Judiciário é considerada a presunção de culpa, sendo o processo iniciado com a perspectiva de que cabe ao médico provar que não incorreu em culpa.
Conforme o CFM, pelo disposto no § único, artigo 1º do Código de Ética, transcreve que: A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida. Já os Tribunais, entendem que em algumas especialidades, as condutas médicas têm a obrigação de resultado. Assim, os médicos que fazem a atividade estética e se comprometem com o resultado e não o cumprem, serão responsabilizados por isso. E sob esse aspecto o Judiciário tem se posicionado de modo positivo.
Outra dúvida é quanto ao profissional médico que não possui residência médica? Considera-se que não há vedação legal de atuação do médico, sem a especialidade específica, e isso se dá por força da lei. Analisamos: O Código de Ética Médica, Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, diploma que preceitua em Preâmbulo que para o exercício da medicina é condição a inscrição do médico em Conselho Regional, sendo esta, a única imposição para que indivíduo graduado em medicina pratique os atos clínicos com liberdade profissional: “III - Para o exercício da medicina, impõe-se a inscrição no Conselho Regional do respectivo estado, território ou Distrito Federal”. Adiciona-se: “É direito do médico: II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente”. Vale salientar que, cabe exclusivamente às normas atinentes à medicina especificar os limites de atuação de um médico, e o Conselho Federal de Medicina possui diversos atos normativos que são expressos em não exigir de um médico qualquer especialidade para trabalhar em qualquer ramo da medicina.
Assim se considera a ementa do Parecer nº 17/04 expedido pelo Conselho Federal de Medicina: Os Conselhos Regionais de Medicina não exigem que um médico seja especialista para trabalhar em qualquer ramo da Medicina, podendo exercê-la, em sua plenitude nas mais diversas áreas, desde que se responsabilize por seus atos. Logo, não se configura atuação contrária à legislação se um médico, clínico geral, realiza uma cirurgia para a retirada de um tumor cerebral, ou então se um médico, sem nenhuma especialização, realiza uma cirurgia cardíaca. Isto é, basta se formar em medicina, possuir o diploma e registro perante o Conselho Regional de Medicina para exercer a profissão em sua plenitude, pois o Conselho Federal de Medicina não exige que o médico faça residência ou especialização, conforme os diversos atos normativos mencionados.
Assim como o advogado pode atuar em qualquer ramo do direito, ainda que não possua nenhuma especialização, o médico sem nenhuma especialização também pode atuar em qualquer ramo da medicina ou atuar em uma área diversa da qual se especializou. O artigo 17 da Lei nº 3.268/17 destaca que para o médico atuar deve se inscrever no Conselho Regional de Medicina, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade. Onde consta jurisdição deve-se entender por circunscrição, pois jurisdição é a atividade estatal exercida para a aplicação do direito ao caso concreto, e a circunscrição delimita um espaço territorial. O artigo 18 da Lei n. 3.268/17, por sua vez, assegura que o médico que possuir a carteira profissional estará habilitado a exercer a medicina em todo o país, desde que esteja registrado conforme a lei, perante o Conselho Regional de Medicina do estado em que atua, ainda que já esteja inscrito em outro.
Por isso, em virtude dos direitos e responsabilidades denominados no exercício da medicina, são requisitos para o exercício da profissão em qualquer área de atuação apenas (i) o diploma de bacharelado em medicina, bem como (ii) o registro em Conselho Regional\ de Medicina (CRM). No mais, qualquer médico tem o direito de atuar com liberdade profissional, de modo a elencar qual procedimento será adotado, já que responde pelos meios empregados em seus atos. Em termos de responsabilização civil, caso lhe seja imputado algum tipo de erro médico cometido, o profissional será enquadrado como culpado na modalidade de imperito, em virtude do exercício da medicina em área sem a especificação técnica. Ressaltando que: para que se caracterize a culpa, a ocorrência de um dos três elementos deve ser demonstrada (imprudência, negligência ou imperícia). Só assim, haverá a obrigação de indenizar.
Segundo o entendimento majoritário da doutrina, é possível a admissão do deslocamento do ônus da carga probatória, a depender do tipo de obrigação aplicável ao caso concreto, se de meio ou de resultado. Em sendo uma obrigação dita de meio, cabe ao credor comprovar que o devedor não foi suficientemente diligente a ponto de utilizar todos os meios disponíveis para a consecução ou adimplemento da obrigação.
Ao primeiro, a lei impõe a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito, e ao segundo, a prova dos fatos impeditivos, capazes de isentá-lo da responsabilidade que lhe é demandada.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Camila Nava. Direito Médico - Estudo teórico e Prático. Ponta Grossa-PR, Atena, 2021.
DANTAS, Eduardo. Direito Médico. 5ª ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2021.
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. A responsabilidade médico-hospitalar e o Código do Consumidor. In: Repensando o Direito do Consumidor – 15 anos do CDC. OAB/PR, 2005.
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