Código de Defesa do Consumidor aplicado à planos de saúde
- Andreza Jacobsen
- 6 de nov. de 2024
- 4 min de leitura
O Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de planos de saúde, buscando garantir a transparência, equidade e o acesso dos consumidores a serviços essenciais de saúde e também a Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde.
Primordialmente, destaca-se que há relação jurídica de consumo nos planos de saúde, pois o consumidor é o titular de planos de saúde, seus dependentes, os agregados, os beneficiários, os usuários, ou seja, todos os que utilizam ou adquirem planos de saúde como destinatários finais ou equiparados.
Já o fornecedor configura-se como a operadora de planos de assistência à saúde, aquela que dispõe de serviços de assistência à saúde, através dos planos de saúde no mercado de consumo, isto é, as pessoas jurídicas constituídas sob a modalidade medicina de grupo, seguradora especializada em saúde, cooperativa, filantrópica e administradora de benefício, obrigatoriamente, registradas na Agência Nacional de Saúde Suplementar. Por sua vez, a Agência Nacional de Saúde (ANS) é encarregada de regulamentar, fiscalizar e monitorar o mercado de saúde suplementar, focando na qualidade da assistência à saúde.
A relação entre os consumidores e as empresas que oferecem serviços de assistência à saúde, está amparada pelo CDC, que leva em consideração a boa-fé, a transparência, e a equidade nas relações de consumo. Sendo assim, os consumidores detentores destes planos de saúde devem ter assegurados seus direitos à informação clara, proteção contra práticas abusivas, e maior acesso à justiça.
Neste sentido, para melhor proteção do consumidor e coexistência entre legislação geral e específica, existem duas espécies de contratos de planos de saúde: os que são regidos pelo CDC somente, ou seja, os contratos antigos e os contratos novos, que incluem a interferência da legislação específica de planos de saúde (Lei 9.656/1998). Fundamentando de maneira melhorada, os planos antigos são os que não estão submetidos à Lei nº 9.656/1998, ou seja, os quais foram firmados anteriormente à sua vigência, todavia, devem respeitar o CDC. Já os considerados planos novos são os realizados após a vigência da Lei nº 9.656/1998.
Há, ainda, uma subespécie dos contratos novos, os planos adaptados: que são aqueles firmados antes da vigência da Lei nº 9.656/1998, mas posteriormente, por meio de aditivo contratual, para ampliar o conteúdo do contrato original; ou através da migração, que é a celebração de um novo contrato de plano de saúde dentro da mesma operadora; ambas as formas para contemplar as regras vigentes. Portanto, tanto os planos novos, como os adaptados, se sujeitam a regulamentação pela lei específica, porém, também devem respeito aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.
Cabe ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor é lei geral principiológica e se aplica a toda relação de consumo, a Lei 9.656/1998, por sua vez, vem após, sendo especial e regula os planos privados de assistência à saúde, isto é, os planos de saúde, incluindo nesta terminologia os seguros-saúde. E porque a complementariedade da legislação se fez necessária? Para dar mais flexibilidade aos procedimentos sem deixar de respeitar as normas já previstas no CDC. Ou seja, a Lei 9.656/98 regula de forma detalhada, os planos de saúde extraindo os comandos principiológicos aplicáveis à proteção do consumidor, dessa maneira é possível a cumulação da legislação, pois a lei específica não é capaz de suprir toda a carga principiológica demandada nas relações consumidor fornecedor. O critério em questão não é subsidiariedade, mas, sim de complementaridade.
Deste modo, qualquer lei especial que vier regular um segmento específico que envolva, em um pólo, o consumidor e, em outro, o fornecedor, transacionando produtos e serviços, terá de obedecer à Lei Consumerista, ainda que não haja remissão expressa. Como ensina Rizzatto Nunes (2000): "na eventual dúvida sobre saber qual diploma legal incide na relação jurídica, no fato ou na prática civil ou comercial, deve o intérprete, preliminarmente, identificar a própria relação: se for jurídica de consumo, incide na mesma a Lei 8.078/90”. Neste entendimento, o legislador veio pacificar positivamente, o que sempre defendemos, que o Código se aplica complementarmente a todos os contratos de planos de saúde, sejam antigos ou novos, sem nenhuma ressalva.
Por consequência, os consumidores de planos de saúde têm, em primeiro lugar, o direito a ver reconhecidos todos os seus direitos e princípios assegurados pelo CDC tanto na legislação especial, quanto na esfera da regulamentação administrativa.
Segundo o entendimento de Marcelo Sodré (2009) cabe destacar que "as leis de defesa do consumidor, na exata medida em que fixarem princípios a serem perseguidos — e neste caso se tornarem leis principiológicas — terão superioridade em relação às demais leis especiais".
Portanto, a ANS deve observar os ditames do CDC ao regular e fiscalizar o setor de saúde suplementar, especialmente seus princípios que se destacam, em primeiro plano, a vulnerabilidade do consumidor, o direito à informação e transparência, a boa-fé objetiva e o equilíbrio dos contratos. Há a necessidade de interagir com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, na busca de um mercado sustentável, eficiente e socialmente justo e que o consumidor seja beneficiário de suas ações como transparência e acessibilidade.
Claro que internamente a regulação do setor de saúde suplementar necessita de aperfeiçoamentos, especialmente em pontos que não se coadunam com o CDC, tais como os planos de saúde coletivos, que têm reajustes não autorizados pela ANS, que suspendem ou rescindem unilateralmente seus contratos, descabidos de fornecer aos consumidores as condições gerais dos contratos. Esse aperfeiçoamento deve se dar a partir de um debate amplo com todos os atores envolvidos na saúde suplementar, sempre prezando pelo não retrocesso referente às conquistas alcançadas até o momento.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Senado Federal. Lei nº 8.078/1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/533814/cdc_e_normas_correlatas_2ed.pdf. Acesso em: 06 nov. 2024.
BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm
Acesso em: 06 nov. 2024.
GREGORI, Maria Stella. Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos planos de saúde, Conjur, 2023. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2023-jun-07/garantias-consumo-codigo-defesa-consumidor-aplica-aos-planos-saude/. Acesso em: 05 out. 2024.
Rizzatto Nunes, Luiz Antonio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 86.
SODRÉ, Marcelo. A construção do direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009. p. 68.
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