A União Estável: Repercussões Jurídicas para o Direito das Sucessões
- Andreza Jacobsen

- 19 de fev.
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A união estável, uma modalidade de convivência familiar, tem se tornado cada vez mais comum na sociedade brasileira, em especial após a Constituição de 1988 e devido a frequentes mudanças nas interpretações jurídicas sobre as relações familiares. Essa união, é definida como a convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas com o objetivo de constituição de família, não depende de formalização em cartório, como no caso do casamento. Entretanto, a união estável possui implicações jurídicas importantes, especialmente no âmbito do direito das sucessões.
Historicamente, as questões sucessórias eram prerrogativa exclusiva dos casais casados, e os parceiros em união estável enfrentavam dificuldades para garantir seus direitos sucessórios. Contudo, com a evolução legislativa e decisões jurisprudenciais, os direitos dos companheiros em união estável passaram a ser reconhecidos, com repercussões diretas no direito das sucessões, alterando a questão da herança para o companheiro sobrevivente.
A união estável foi reconhecida pela primeira vez pela Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 226, § 3º, estabelece que "para efeitos da Constituição, são reconhecidas como entidades familiares a união estável entre o homem e a mulher". Esse dispositivo trouxe grande evolução no reconhecimento de novos arranjos familiares no Brasil, além de garantir a proteção dos direitos do companheiro.
O Código Civil de 2002, por sua vez, regulamentou a união estável no artigo 1.723, ao afirmar que "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher" e tratando da convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família. O art. 1.724 do CC estabelece que as relações entre os companheiros devem pautar-se por lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. Além disso, a legislação passou a equiparar o companheiro ao cônjuge em muitas situações jurídicas, incluindo questões sucessórias.
Antes da promulgação do Código Civil de 2002, a legislação brasileira não conferia os mesmos direitos sucessórios ao companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge. A herança era regulada de forma rígida, com distinções claras entre os direitos do cônjuge e do companheiro em união estável. No entanto, com a reforma do Código Civil, houve uma significativa alteração na forma como a sucessão é tratada para os companheiros.
O artigo 1.790 do Código Civil de 2002 estabelece que "o companheiro, na união estável, será considerado herdeiro necessário, se a união estável tiver sido reconhecida formalmente". Essa mudança significou a equiparação do companheiro ao cônjuge, ao garantir-lhe o direito de herança como herdeiro necessário, que é aquele que não pode ser deserdado sem motivo legal. Assim, o companheiro tem direito à metade da herança, em igualdade com os filhos do falecido.
Contudo, o Código Civil de 2002 estabelece uma distinção importante em relação ao regime de bens adotado pelo casal. O regime de bens aplicável à união estável será determinante para a partilha da herança, refletindo o caráter patrimonial da união.
A partilha de bens na união estável segue os princípios do regime de bens do casamento. Ou seja, se os companheiros adotarem o regime da comunhão parcial de bens, todos os bens adquiridos durante a convivência serão compartilhados, incluindo os bens comuns que formam o patrimônio do casal. Se o regime for separação total de bens, cada companheiro terá direito apenas à sua parte, sem direito à divisão dos bens adquiridos pelo outro durante a convivência.
No que diz respeito à sucessão, no caso de herança do companheiro sobrevivente, ele deverá dividir o patrimônio com os filhos do falecido, seguindo as regras de partilha do regime de bens adotado. Esse direito de sucessão se dá independentemente de ter havido formalização da união estável em cartório, bastando a convivência pública e duradoura.
Os herdeiros necessários, conforme estabelece o Código Civil de 2002, são os descendentes, ascendentes e, no caso da união estável, o companheiro. Essa equiparação entre cônjuge e companheiro no que diz respeito à sucessão garante ao companheiro sobrevivente uma parte da herança, assim como os filhos do falecido.
A grande diferença entre o regime sucessório dos cônjuges e dos companheiros em união estável está no tratamento das sociedades ou heranças decorrentes de bens adquiridos antes da união estável. Nesses casos, se o falecido deixou bens antes de iniciar a união estável, o companheiro sobrevivente não terá direito à sua parte, a não ser que tenha sido formalizado algum acordo sobre a partilha de bens durante a convivência.
Sendo assim, o reconhecimento da união estável como entidade familiar alterou profundamente as repercussões no direito das sucessões, uma vez que garantiu a igualdade entre o companheiro e o cônjuge em relação aos direitos patrimoniais e sucessórios. Este reconhecimento foi reforçado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em 2011, concluiu que a união estável, assim como o casamento, deve ser tratada com os mesmos direitos, especialmente em relação à partilha de bens e à sucessão.
A jurisprudência dos tribunais superiores cada vez mais tem reafirmado o entendimento de que a união estável deve ser tratada com a mesma igualdade de direitos que o casamento, especialmente no tocante à sucessão. A partir disso, o companheiro tem direito à sucessão de bens, sem a necessidade de comprovar dependência financeira ou vínculo afetivo, como se exigiria em outras situações jurídicas.
Outro avanço importante no reconhecimento das uniões estáveis foi a decisão do STF em 2011, que permitiu o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. O entendimento é que as relações homoafetivas devem ser tratadas com os mesmos direitos e garantias legais conferidos às relações heteroafetivas, incluindo os direitos sucessórios.
Embora a união estável não exija formalização para seus efeitos jurídicos, o registro em cartório pode ser importante para garantir os direitos sucessórios do companheiro sobrevivente. Embora o Código Civil de 2002 preveja a possibilidade de reconhecimento judicial ou extrajudicial, o registro facilita a comprovação da união estável, tornando mais simples o processo sucessório.
No entanto, mesmo sem o registro formal, a união estável pode ser reconhecida por meio de provas testemunhais ou outros documentos que comprovem a convivência pública, contínua e duradoura entre as partes.
Logo, a união estável representou um importante avanço no direito de família e nas questões sucessórias, garantindo ao companheiro sobrevivente os mesmos direitos que o cônjuge casado, especialmente no tocante à herança. A equiparação entre o companheiro e o cônjuge no Código Civil de 2002 trouxe maior proteção aos direitos patrimoniais e sucessórios, reconhecendo a importância das relações de convivência familiar duradouras, e retirando nomenclaturas discriminatórias em relação a figura do (a) companheiro (a).
Contudo, ainda existem desafios e questões a serem enfrentados, como a necessidade de comprovação da união estável, especialmente em casos onde não há formalização. Por isso, a legislação brasileira continua evoluindo, adaptando-se às novas realidades sociais e à busca pela igualdade de direitos, o que contribui para a construção de um sistema jurídico mais justo e inclusivo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 fev. 2024.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em: 19 fev. 2025.
VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. Vol. VI 16ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016.

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