A obrigatoriedade do exame criminológico na progressão de regime: Inconstitucionalidade e Inconsistências.
- Andreza Jacobsen
- 15 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Como as Leis penais mais severas não podem ser aplicadas de forma retroativa, o ultimo entendimento, do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, afastou, em um caso, a aplicação da regra da Lei 14.843/2024 — conhecida como “Lei das Saidinhas” — que exige exame criminológico para a progressão de regime prisional.
O exame criminológico visa avaliar a periculosidade do apenado, foi mais uma vez considerado inconstitucional, pelo argumentando que declara a violação dos direitos fundamentais, como o princípio da dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência. A ministra Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), admitiu que a gravidade do delito cometido não justifica a necessidade de realização de exame criminológico para concessão de progressão de regime. Diante disso, deferiu liminar em habeas corpus para afastar exigência do exame criminológico. O caso em análise foi um paciente condenado a 14 anos de prisão por homicídio qualificado. As instâncias ordinárias, a fim de examinar o requisito subjetivo para a progressão de regime (do fechado para o semiaberto), determinaram a realização de exame criminológico.
As principais consequências negativas da exigência do exame são significativos, pois, podem: atrasar a progressão de regime e perpetuar a superlotação dos presídios; gerar uma desigualdade no tratamento dos apenados, que podem ser avaliados de maneiras diferentes, dependendo do critério utilizado pelos peritos; causar efeito psicológico sobre os apenados, causando-lhes ansiedade e impacto psicológico, afetando seu comportamento e sua reintegração social; e reforçar os estigmas com a necessidade de um exame que pode reforçá-los associando-os à criminalidade, dificultando a reintegração do apenado na sociedade.
De acordo com Aury Lopes Jr. (2018), o exame frequentemente se baseia em critérios imprecisos e subjetivos, o que pode levar a decisões arbitrárias e discriminatórias. A falta de padronização e a influência de preconceitos sociais tornam o exame criminológico uma ferramenta mais punitiva do que preventiva ou reabilitadora, contrariando o objetivo de ressocialização que deveria nortear a execução penal.
No plano constitucional a medida viola os seguintes princípios: a) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: tratando o apenado como um sujeito potencialmente perigoso, independentemente de seu comportamento durante o cumprimento da pena; b) Princípio da Presunção de Inocência, pois o exame criminológico pode ser interpretado como um tratamento desigual, pois cria um estigma que não se coaduna com a ideia de que o apenado deve ser considerado inocente até que se prove o contrário; c) A desnecessidade de avaliação: sendo que a progressão de regime já é pautada por critérios objetivos, como o cumprimento de parte da pena e a boa conduta carcerária, tornando o exame criminológico redundante. Devido a situação atual do Brasil, cada vez mais pela busca do encarceramento a situação do exame criminológico como requisito obrigatório gera ainda longa filas para quem depende da realização de laudos técnicos. Com a falta de equipes multidisciplinares como psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais para a colaboração no exame se perpetuam casos de encarceramento mais uma vez violando os direitos fundamentais.
Em um caso em tela promovido pela defesa de um acusado pela equipe do escritório Gaievski advogados houve a substitutiva do exame criminológico por avaliação psicológica. Nesse caso específico, interno ao procedimento o apenado negou a autoria dos fatos como já havia mencionado anteriormente, com base neste argumento o Ministério público considerando a gravidade do delito, não buscou analisar o contexto dos fatos assim não promovendo a progressão do regime. Ou seja, como outros milhares de casos, submeter os apenados a exame psicológico, com intuito de autoresponsabilizar e promover a extração forcada da conduta, viola totalmente as garantias fundamentais do direito ao silêncio, a ampla defesa e da legalidade. O exame criminológico, já é repudiado por tais características torturantes, não se pode admitir que outra medida, a exemplo do exame psicológico o substitua tendo o mesmo efeito, o de condenar à tortura moral e psicológica, os apenados. Por consequência, só pode ser aplicado em substituição do exame criminológico, tal medida que não vise exclusivamente violar os direitos do apenado, pois, nesse caso, só se trocaria o nome das medidas, não surtindo qualquer efeito positivo para a progressão do regime. Tal repúdio ao exame criminológico já se configura por ter seu caráter inquisitório, não há que se proclamar mais horrores ao processo penal.
Logo, a discussão sobre a obrigatoriedade do exame criminológico na progressão de regime atinge diretamente os aspectos fundamentais dos direitos humanos e da eficácia do sistema penal. Portanto, o debate ainda a precisa continuar e evoluir, com um propósito de busca por um equilíbrio entre segurança pública e direitos dos indivíduos.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024. Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária.https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14843.htm. Acesso em: 14 out. 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Exigência de exame criminológico para progressão de regime deve ser bem fundamentada. STJ, 2018. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-01-05_11-02_Exigencia-de-exame-criminologico-para-progressao-de-regime-deve-ser-bem-fundamentada.aspx. Acesso em: 15 out. 2024.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
SOARES, Rafael Junior; Beatriz Daguer. Lei 14.834/24: problemas do exame criminológico na sucessão de leis penais. Conjur, 2024. https://www.conjur.com.br/2024-mai-04/lei-14-834-24-problemas-do-exame-criminologico-na-sucessao-de-leis-penais/#:~:text=A%20Lei%2014.834%2F2024%2C%20recentemente,ser%C3%A1%20examinada%20no%20presente%20trabalho. Acesso em: 14 out. 2024.
SOUZA, Sérgio Augusto de. Obrigatoriedade do exame criminológico na progressão de regime: Inconstitucionalidade e impactos no sistema Penal brasileiro. Migalhas, 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/414290/obrigatoriedade-do-exame-criminologico-na-progressao-de-regime. Acesso em: 08 out. 2024.
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