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A inconstitucionalidade da desqualificação de mulheres vítimas de violência em procedimentos criminais.

  • Foto do escritor: Edmundo Gaievski
    Edmundo Gaievski
  • 6 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 25 de set. de 2024

Em 2024, tornou-se jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal que a invocação de elementos relacionados à vida sexual pregressa de mulheres vítimas de violência, com o intuito de desqualificá-las, configura fundamento para a declaração de nulidade do ato processual ou do julgamento. Esta decisão foi proferida em maio do corrente ano, estabelecendo a proibição de submeter novamente as vítimas a exposições depreciativas acerca de seu modo de vida.


Por decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que tal proibição aplicava-se inicialmente apenas a audiências e julgamentos relacionados a crimes contra a dignidade sexual. No entanto, o escopo dessa proibição foi posteriormente expandido para abarcar todos os tipos de violência contra a mulher.


Submeter novamente uma pessoa a situações que possam reviver memórias traumatizantes constitui um ato de revitimização. Uma sessão de julgamento ou uma audiência não possui a prerrogativa de determinar quando as vítimas de violência devem ser confrontadas com tais memórias. A violência contra a mulher, seja ela doméstica, sexual, psicológica ou física, mesmo que ocorra fora do lar, deixa marcas profundas de dor e representa uma grave afronta à dignidade da pessoa humana.


Tais práticas infringem a saúde das mulheres, sobretudo no aspecto psicológico, exacerbadas por narrativas que questionam se as mulheres de alguma forma contribuíram para a ocorrência de estupros, por exemplo. Na apreciação de delitos sexuais, evocar o histórico pregresso dessas mulheres implica uma atribuição exacerbada de culpa, visto que muitas são etiquetadas como promíscuas ou provocadoras, com alegações de que suas vestimentas inapropriadas teriam dado margem para a violência perpetrada por um homem. Embora tardia, a ADPF 1107/2024 estabeleceu novos preceitos para coibir tais vedações e excessos em casos de violência sexual contra a mulher, vejamos:


I) - Conferir interpretação conforme a constituição a expressão “elementos alheios aos fatos objetos de apuração”, posta no artigo 400-A do CPP, para excluir a possibilidade de invocação pelas partes ou procuradores de elementos referentes à vivência sexual pregressa da vítima ou a seu modo de vida em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual e todos os crimes de violência contra a mulher, sob pena de nulidade do ato ou do julgamento, nos termos dos artigos 563 a 573 do Código de Processo Penal.


Fica vedado o reconhecimento da nulidade referida no item anterior na hipótese de a defesa ter se utilizado da tese da legítima da defesa da honra com essa finalidade, considerando a impossibilidade de o acusado se beneficiar da própria torpeza.


Conferir interpretação conforme ao artigo 59 do CP para assentar ser vedado ao magistrado na fixação da pena em crimes sexuais valorar a vida sexual pregressa da vítima ou seu modo de vida.


É dever do julgador atuar no sentido de impedir essa prática inconstitucional, sob pena de responsabilização administrativa, penal e civil.


A declaração de inconstitucionalidade da desqualificação de mulheres vítimas de violência doméstica por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) preserva a autonomia de abordar o tema de forma subsidiária, tendo em vista a ocorrência de violação de preceito fundamental por um ato que permite a discussão por essa via constitucional. Tanto o ordenamento jurídico nacional quanto o internacional devem exigir uma postura proativa do Estado no sentido de garantir a proteção da mulher e proibir que vítimas de violência sexual sofram revitimização durante investigações e julgamentos, em respeito à saúde, à imagem e à honra das vítimas.


Nesse contexto, o artigo 59 do Código Penal contraria o preceito fundamental da saúde e da dignidade da pessoa humana, infringindo esses direitos das mulheres, conforme exposto no texto legal:


O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).


Portanto, a abordagem constitucional visa assegurar a segurança e a saúde da mulher, coibindo falhas decorrentes da legislação penal que prejudiquem os direitos fundamentais. Abusos no âmbito do sistema jurídico brasileiro devem ser prevenidos, assegurando o respeito à Constituição Federal sempre que a legislação infraconstitucional exceda seus limites. Assim, deve-se priorizar o bem-estar e a dignidade humana em casos de violência contra a mulher, o que inclui evitar a repetição de qualquer forma de violência contra elas, especialmente nos âmbitos judiciais.


Núcleo Científico Interno  - (NCI)


REFERÊNCIAS


ANGELO, Tiago. Mulher vítima de violência não pode ser desqualificada em julgamento, decide Supremo. Conjur, 2024. Disponível: https://www.conjur.com.br/2024-mai-23/mulher-vitima-de-violencia-nao-pode-ser-desqualificada-em-julgamento-decide-stf/. Acesso em: 06 ago. 2024. 


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 06 ago. 2024. 



BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 1107. Relator: Min. Cármen Lúcia. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6817678. Acesso: 06 ago. 2024. 


 
 
 

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