A Impenhorabilidade do Bem de Família: Respeito à moradia digna como Direito Social
- Andreza Jacobsen
- 28 de fev.
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A Constituição Federal de 1988, ao consagrar a moradia como um direito social no artigo 6º, não apenas reafirmou o valor da dignidade humana, mas também incorporou a responsabilidade do Estado em garantir as condições mínimas para que a população tenha acesso a uma vida digna. Nesse contexto, a impenhorabilidade do bem de família surge como uma importante proteção jurídica, refletindo o compromisso com a proteção da moradia como um direito fundamental, especialmente no que diz respeito à sua preservação contra a penhora em razão de dívidas.
Conforme a CF, art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Conforme o art. 805 do Código de Processo Civil, quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado. Dessa forma, a impenhorabilidade o art. 833 do Código Civil traz que:
São impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
Esse conceito está diretamente relacionado ao princípio da função social da propriedade, consagrado pelo artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, que estabelece que a propriedade deve cumprir uma função voltada ao bem-estar coletivo e não apenas aos interesses do proprietário. A impenhorabilidade do bem de família visa assegurar que a moradia, um direito essencial para a dignidade da pessoa humana, não seja subtraída de quem dela necessita, principalmente em contextos de vulnerabilidade social. Dessa maneira o bem de família protege a quem? Art. 1º da Lei n. 8.009/90: “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Segundo o Enunciado 364 da Súmula do STJ : “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”. As modalidades de bem de família são classificados como: a) o bem de família legal ou involuntário, previsto na Lei n. 8.009/90, em que a própria norma estabelece que o único bem da entidade familiar não se sujeita à expropriação; b) o bem de família voluntário (Previsto pelo Código Civil nos arts. 1.711 a 1.722). Aqui, quem estabelece qual é o bem de família não é a lei, mas a própria família. O objetivo da regra é evitar que apenas o bem de menor valor (como se dá com a previsão da lei processual) seja salvaguardado. Quanto à natureza do instituto se define a impenhorabilidade do bem de família é questão de ordem pública e não admite renúncia pelo titular (AgRg nos EDcl no REsp 1.463.694/MS). Contudo, há julgados do STJ entendendo sobre:
RESCISÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. DÍVIDA ORIUNDA DE NEGÓCIO ENVOLVENDO O PRÓPRIO IMÓVEL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART.3º, II, DA LEI N. 8.009/1990. PRECEDENTES. 1. De fato, verifica-se que o Tribunal de origem, ao interpretar a norma regente do instituto do bem de família, adotou solução em conformidade com a jurisprudência desta Corte, a qual possui orientação no sentido de ser possível a penhora do bem de família, quando o resultado da dívida exequenda for decorrente do contrato de compra e venda do próprio imóvel. 2. Agravo interno improvido (AgInt no AREsp 1715954 / SP). Mas há outros julgados estabelecendo em sentido contrário em caso que o bem de família foi dado em garantia: “não se sustenta o fundamento de que os recorrentes abriram mão da impenhorabilidade quando ofereceram o imóvel em garantia a terceiro, pois se trata de benefício irrenunciável" (REsp1.604.422).
Há também exceções na legislação como o caso de imóvel adquirido com fruto de crime também não pode ser considerado bem de família e, portanto, é penhorável. Nesse sentido a moradia deve seguir a sua função social, que é a questão de fornecimento de espaço físico, e também de acesso à condições mínimas de habitabilidade e segurança. A imposição de limites à penhorabilidade do bem de família reflete a preocupação do legislador com a proteção da residência da família, evitando que pessoas ou grupos em situação de dificuldade econômica se vejam forçados a perder seu lar como consequência de pendências financeiras.
É relevante destacar que a impenhorabilidade não significa que o devedor esteja isento de cumprir suas obrigações financeiras, mas apenas que o lar da família será protegido. O princípio da impenhorabilidade, então, não apenas respeita o direito à moradia, mas também assegura que a pessoa possa continuar a desempenhar suas funções familiares e sociais sem o risco de ser privada de sua casa, uma necessidade básica para sua estabilidade e bem-estar.
A moradia é um direito fundamental, e sua proteção deve ser garantida para que as pessoas possam viver de forma digna e estável. O Estado tem a obrigação de assegurar que os cidadãos tenham acesso à habitação adequada, conforme os princípios da Constituição. A impenhorabilidade do bem de família, nesse contexto, é uma medida que visa justamente garantir a efetividade desse direito, evitando que a moradia seja colocada em risco devido por questões financeiras.
Logo, a impenhorabilidade do bem de família é, portanto, uma expressão da proteção da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro. A perda da residência pode ter consequências devastadoras para uma família, especialmente em um cenário de vulnerabilidade econômica.
Portanto, a proteção do lar é uma garantia de que, em circunstâncias normais, ninguém será despojado de sua casa sem uma razão suficientemente justa e amparada pela lei, refletindo a necessidade de equilibrar os interesses individuais e coletivos, garantindo que a moradia, como um direito social, seja preservada, especialmente para aqueles em situações de vulnerabilidade econômica.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Ma. Andreza da Silva Jacobsen
Esp. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28 fev. 2025.
BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm. Acesso em: 28 fev. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 28 fev. 2025
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em: 28 fev. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 364. CORTE ESPECIAL, julgado em 15/10/2008, DJe 03/11/2008. Brasília, DF: Superior Tribunal de Justiça, 2008. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/sumstj/. Acesso em: 28 fev. 2025.
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