A Discriminação genética nas relações trabalhistas brasileiras
- Andreza Jacobsen
- 14 de jan.
- 7 min de leitura
A discriminação genética nas relações trabalhistas é um tema que envolve questões éticas, jurídicas e sociais relacionadas ao uso de informações genéticas no ambiente de trabalho. Essa prática ocorre quando empregadores, seguradoras ou outras entidades utilizam dados genéticos de um indivíduo para tomar decisões que possam prejudicar sua carreira, emprego ou acesso a benefícios, com base em características hereditárias que podem predispor alguém a determinadas doenças ou condições.
Conforme o texto Constitucional de 1988 o Combate à Discriminação consta em seu Art. 5º e Art. 7º, inciso XXX, sendo assim a Constituição veda qualquer forma de discriminação no âmbito das relações trabalhistas, incluindo discriminação de gênero, raça, religião e outras formas de desigualdade, o que se expande para a questão da discriminação genética. A Constituição reconhece o trabalho como um direito fundamental e estabelece um conjunto robusto de garantias que asseguram a dignidade, a igualdade e a proteção dos trabalhadores. Portanto, a magna carta busca garantir que as relações de trabalho sejam baseadas no respeito mútuo, na equidade e na justiça social.
Nas relações trabalhistas a Discriminação genética é o tratamento desigual de indivíduos com base nas suas características genéticas ou na posse de informações sobre predisposições genéticas a doenças ou condições de saúde. No contexto trabalhista, isso pode se concretizar de várias maneiras:
Recusa à contratação: Empregadores podem se recusar a contratar um candidato que possua uma predisposição genética para uma doença grave, mesmo que ele esteja completamente saudável no momento da contratação.
Demissões ou demissões injustificadas: Funcionários podem ser demitidos ou sofrerem mudanças negativas em suas condições de trabalho com base em testes genéticos, mesmo que não apresentem sintomas de uma condição genética.
Acesso desigual a benefícios: Um empregado pode ser preterido no acesso a benefícios, como seguros de saúde ou planos de aposentadoria, se sua genética indicar uma predisposição para doenças dispendiosas ou que demandam cuidados médicos frequentes.
A Discriminação Genética no Trabalho se opera, por exemplo, em que setores de saúde e seguros utilizam informações genéticas para estabelecer políticas discriminatórias de cobertura, negando benefícios ou cobrando prêmios mais altos com base em riscos genéticos. Já outros casos comportam setores de alta exigência física: Indivíduos com predisposição genética para doenças musculoesqueléticas, como a distrofia muscular, poderiam ser desqualificados para determinados tipos de trabalho, mesmo que não apresentem sintomas visíveis. Já em indústrias ligadas à pesquisa genética ou biotecnológica, o acesso a empregos pode ser condicionado a fatores como a ausência de determinadas condições genéticas que poderiam, em teoria, afetar o desempenho.
As principais consequências da discriminação genética nas relações de trabalho são: Violação da privacidade do trabalhador pelo uso de dados genéticos sem o seu consentimento adequado o que fere o direito à privacidade do trabalhador, cria um ambiente de insegurança e desconfiança; A criação de estigma sociais, visto que trabalhadores com predisposição genética para determinadas condições podem ser estigmatizados, mesmo que a manifestação da doença nunca se concretize; A desigualdade de oportunidades, pois a discriminação genética pode reduzir as oportunidades de emprego para pessoas geneticamente predispostas a certas doenças, o que pode levar a uma exclusão social ou econômica.
Em contrapartida os prejuízos para o empregador são: a redução da diversidade e inovação empresarial pela exclusão de candidatos com base em características genéticas o que limita a diversidade dentro da empresa, e refreia a criatividade e a inovação; Já os riscos jurídicos e financeiros, ocorrem de maneira que as empresas que praticam discriminação genética podem ser processadas por violação dos direitos trabalhistas, acarretando custos legais e danos à reputação corporativa.
Em vários países, a discriminação genética é proibida por leis específicas, refletindo a crescente preocupação com os direitos dos trabalhadores e a proteção contra abusos relacionados ao uso de informações genéticas. No Brasil, embora ainda não tenha uma legislação específica sobre discriminação genética no contexto laboral, a Constituição Federal, o Código Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) garantem direitos de igualdade e proíbem discriminação no trabalho por qualquer motivo, incluindo características genéticas.
A legislação sobre proteção de dados pessoais (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD) também protege a privacidade dos cidadãos em relação a informações genéticas. Além da legislação brasileira ainda há a Convenção 111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que disciplina a matéria em seu artigo 1º: definindo a discriminação no emprego como qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos que sejam contrários aos princípios de igualdade de oportunidades e tratamento no emprego e na ocupação. Embora a Convenção não mencione explicitamente a discriminação genética, estendendo a interpretação pode se incluir que qualquer discriminação baseada em informações genéticas pode se enquadrar neste conceito de discriminação por "outros motivos”. Já a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD) de 1965, é um tratado da ONU que aborda sobre a discriminação racial, e estabelece princípios que podem ser aplicados de maneira mais ampla para combater qualquer forma de discriminação. O texto do seu artigo 5º:
Estabelece que os Estados partes devem garantir, sem qualquer discriminação, a igualdade de direitos em relação ao emprego e ocupação, entre outros direitos sociais e culturais. Embora o foco principal seja a discriminação racial, a CERD preconiza que a discriminação em qualquer forma de discriminação social (incluindo, em interpretações mais amplas, a genética) deve ser erradicada.
O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), adotado pela Assembleia Geral da ONU em 1966, é outro tratado relevante no que se refere aos direitos dos trabalhadores, e inclui disposições sobre a igualdade no acesso ao trabalho. Em seu artigo Artigo 2º, §2º do PIDESC:
Estabelece que os Estados devem garantir que os direitos previstos no pacto sejam exercidos sem discriminação de qualquer tipo, incluindo, mas não se limitando a, discriminação baseada em raça, sexo, religião, entre outros. Embora a genética não seja diretamente mencionada, a interpretação do artigo pode ser ampliada para abranger a discriminação genética, desde que essa implique em desigualdade de oportunidades de trabalho.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada pela ONU em 1948, é um marco global no que diz respeito à promoção dos direitos humanos e ao combate à discriminação em diversas esferas. A DUDH não menciona explicitamente a genética, mas seus princípios gerais de igualdade e dignidade humana podem ser aplicados para combater a discriminação genética. Segundo o seu artigo 23, §1 da DUDH:
Declara que toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego e a condições justas e favoráveis de trabalho, sem discriminação. Esse direito abrange a proibição de qualquer forma de discriminação no trabalho, o que inclui discriminação baseada em características pessoais, como a genética.
Diante de toda a legislação tanto em nível nacional como internacional para a proteção de formas de discriminação no trabalho, incluindo as questões genéticas, o uso dessas informações atreladas aos genes no contexto trabalhista brasileiro levanta cria provocações as questões éticas, como:
Consentimento informado: Os indivíduos devem ter controle sobre como suas informações genéticas são usadas. Isso inclui entender os riscos e as implicações de fornecer ou não esses dados.
Determinismo genético: O uso de testes genéticos pode reforçar a ideia de que a genética determina o futuro de uma pessoa, ignorando os aspectos ambientais e comportamentais que também afetam a saúde e o desempenho no trabalho.
Impacto psicológico: Saber que informações genéticas podem ser usadas contra um trabalhador pode gerar estresse e ansiedade, afetando sua saúde mental e desempenho profissional.
Com o avanço das tecnologias de sequenciamento genético e o aumento da disponibilidade de testes genéticos no contexto global, a discriminação genética uma preocupação crescente. Todavia, para enfrentar esse desafio, é essencial promover a educação sobre o uso responsável de informações genéticas, bem como fortalecer a legislação de proteção contra discriminação genética, afim de garantir que os direitos dos trabalhadores sejam preservados em um contexto de inovações biotecnológicas.
Há que se pensar em uma abordagem equilibrada e necessária, em que os avanços da ciência genética possam ser aproveitados para o bem-estar dos trabalhadores, sem que isso resulte em práticas discriminatórias. O foco deve estar em assegurar que as oportunidades de trabalho não sejam negadas com base em informações genéticas, mas sim em características como habilidade, experiência e competência.
A discriminação genética nas relações trabalhistas não só em nível brasileiro, é um tema complexo que exige uma abordagem humanitária, e principalmente ética. Sendo assim, as empresas, os legisladores e a sociedade devem trabalhar em conjunto para garantir que as informações genéticas sejam usadas de maneira justa e responsável, respeitando a dignidade e os direitos dos trabalhadores. É claro que a legislação existente tanto em nível nacional como internacional, já oferece algumas proteções, mas a evolução contínua das tecnologias genéticas exige vigilância constante para evitar novas formas de discriminação que possam surgir. Portanto, o combate à discriminação genética nas relações trabalhistas refreia e visa conscientizar para a não repetição de atrocidades como as inúmeras já vistas na história da humanidade.
Núcleo Científico Interno - (NCI)
Dra. Andreza da Silva Jacobsen
Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Antonio Castro Alves de. Discriminação genética é uma ameaça ao trabalhador
Conjur, 2010. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2010-jul-28/discriminacao-genetica-ameaca-integridade-moral-trabalhador/#:~:text=62)%20discrimina%C3%A7%C3%A3o%20gen%C3%A9tica%20%C3%A9%20%E2%80%9Cuma,daqueles%20grupos%20ou%20entes%20estatais.%E2%80%9D. Acesso em: 14 jan. 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 jan. 2025.
ONU - Organização das Nações Unidas. Convenção da ONU. Sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. de 21 de dezembro de 1965. Disponível em:
https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/legislacao/legislacao-docs/quilombola/convencao.pdf. Acesso em: 14 jan. 2025.
OEA. Convenção nº 111 da OIT. Disponível em:https://www.oas.org/dil/port/1958%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20a%20Discrimina%C3%A7%C3%A3o%20em%20Mat%C3%A9ria%20de%20Emprego%20e%20Profiss%C3%A3o%20(Conven%C3%A7%C3%A3o%20OIT%20%20%20n%20%C2%BA%20111).pdf. Acesso em: 14 jan. 2025.
OEA. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais * Adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf. Acesso em: 14 jan. 2025
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 14 jan. 2025.
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