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A dignidade da pessoa humana e a liberdade de escolha nas relações médico-paciente

  • Foto do escritor: Andreza  Jacobsen
    Andreza Jacobsen
  • 3 de dez. de 2024
  • 6 min de leitura

A relação médico-paciente foi marcada historicamente por diversos conflitos de ordem ética e moral. Incialmente competia ao médico a absoluta percepção da dimensão e amplitude dos seus deveres profissionais, restando ao paciente simplesmente a condição de respeito e passividade. Entretanto, o decorrer do tempo, combinado com evolução dos dogmas sociais, bem como da ordem legal e da própria ciência médica, resultaram na alteração desta máxima paternalista, passando o paciente a fixar-se como nítido senhor da sua razão, consequentemente da sua liberdade de escolha. Único proprietário da sua integridade corporal.


Na nova concepção da relação médico-paciente passou-se, em atenção aos novos preceitos éticos e jurídicos inseridos no ambiente normativo nacional, a considerar como

relevantes o respeito à autonomia e autodeterminação do paciente, evitando-se, dessa forma, exposições, vulnerabilidades e riscos desnecessários.


Com a derrocada do exercício da autoridade patriarcal pelo médico (da autonomia do profissional da saúde em impor suas decisões profissionais, restringindo-se a liberdade de participação do paciente nas escolhas terapêuticas) iniciou-se um período de reconhecimento do ser humano como um partícipe do mundo.


Passou-se a compreender que a saúde não poderia ser objeto de uma decisão isolada, soberana, do profissional médico, reconhecendo-se a necessidade de uma participação mais ativa, livre e consciente (autônoma) do paciente na construção do seu tratamento médico.


A participação na discussão do tratamento médico a ser aplicado adquiriu contornos de consensualidade, uma relação em que médico e paciente são protagonistas, sujeitos ativos, interagindo, lastreados na ciência na busca da melhor alternativa possível. Nesse sentido se fortaleceram o ideais relacionados a dignidade humana e da liberdade de escolha que são princípios fundamentais que norteiam a ética e o direito no contexto da relação médico-paciente. A interação entre médico e paciente vai além de um simples ato de cuidado ou tratamento, sendo essencialmente uma relação que envolve respeito mútuo, compreensão e a garantia de direitos fundamentais. Nesse cenário, a dignidade da pessoa humana, um dos pilares do ordenamento jurídico moderno, e a autonomia do paciente, expressa pela liberdade de escolha, são indispensáveis para assegurar uma abordagem ética e humanizada no cuidado à saúde.


A dignidade da pessoa humana é um conceito central no direito contemporâneo e está consagrada em diversas normas internacionais e nacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal Brasileira. Trata-se da ideia de que cada ser humano possui um valor intrínseco, que deve ser respeitado independentemente de suas condições sociais, econômicas, culturais ou de saúde. Esse princípio é a base de todas as interações sociais e jurídicas, sendo uma premissa fundamental para garantir o respeito aos direitos individuais. Segundo Alexandre de Moraes, em sua obra “Direito Constitucional”, conceitua dignidade como: 


"Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade”.


No âmbito da medicina, a dignidade da pessoa humana deve ser um norte para a prática profissional, significando que os médicos não devem tratar seus pacientes de forma despersonalizada ou objetificada, mas como seres humanos plenos, com direitos e valores próprios. Esse respeito à dignidade implica que o paciente deve ser tratado com compaixão, respeito à sua individualidade, e deve ter garantido o seu direito à privacidade e à autodeterminação, especialmente em momentos de fragilidade, como durante o tratamento de doenças graves.


Em um contexto médico, o respeito à dignidade da pessoa humana é refletido, por exemplo, no princípio do consentimento informado. Este é um direito do paciente de ser plenamente informado sobre seu diagnóstico, prognóstico e as opções de tratamento disponíveis, permitindo-lhe tomar decisões conscientes sobre sua saúde (Art. 34 CEM). 


Ainda o Código de Ética Médica em seu artigo 22: É vedado ao médico: "Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”. O médico, portanto, não pode agir de forma impositiva ou coercitiva, mas deve fornecer ao paciente todas as informações necessárias para que ele possa escolher o melhor curso de ação, respeitando suas crenças, valores e preferências. 


A liberdade de escolha é um dos aspectos mais relevantes da autonomia do paciente. Na medicina, isso se traduz no direito do paciente de decidir sobre seu próprio tratamento, com base nas informações fornecidas pelo médico e na reflexão sobre suas próprias preferências, crenças e valores pessoais. A autonomia do paciente, que sustenta essa liberdade de escolha, é uma das bases da bioética moderna, que prioriza o respeito à liberdade individual e a capacidade do paciente de tomar decisões informadas sobre sua saúde. Conforme o Código de Ética Médica, em seu art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método.


É importante destacar que, para que o paciente possa exercer sua liberdade de escolha de maneira plena, ele precisa estar em um ambiente em que a comunicação com o médico seja clara, aberta e transparente. O consentimento informado é um reflexo direto dessa liberdade, e, em casos de tratamentos complexos ou invasivos, é imprescindível que o paciente tenha o direito de questionar, entender todas as implicações de sua decisão e escolher o tratamento que melhor lhe convier, mesmo que esse não seja o tratamento recomendado pelo médico.


Um exemplo prático da liberdade de escolha na relação médico-paciente é o caso de pacientes que, após serem informados sobre as opções de tratamento para uma determinada doença, escolhem uma alternativa que não é necessariamente a mais indicada do ponto de vista médico, como tratamentos alternativos ou a recusa de determinados procedimentos. Nessas situações, o médico tem a obrigação de respeitar a decisão do paciente, desde que ele tenha sido adequadamente informado dos riscos e consequências dessa escolha.


No entanto, o respeito à liberdade de escolha não significa que o médico deva abdicar de seu papel de conselheiro e responsável técnico. O médico tem a obrigação de fornecer uma explicação clara sobre os riscos e benefícios de cada opção de tratamento e de garantir que o paciente compreenda as consequências de sua decisão. A liberdade de escolha não pode ser confundida com uma escolha inconsciente ou mal-informada.


Apesar de ser um princípio fundamental, a liberdade de escolha pode entrar em conflito com outras obrigações do médico, como o dever de promover o bem-estar do paciente e de evitar danos. Existem situações em que a decisão do paciente pode ser prejudicial à sua saúde, como no caso da recusa de tratamentos que são essenciais para a sobrevivência, a exemplo da não aceitação da transfusão de sangue e em casos de tratamentos para câncer ou de intervenções em situações de emergência.


Nesses casos, surge a tensão entre o respeito à autonomia do paciente e a responsabilidade do médico de agir para proteger a vida e a saúde do paciente. Como garantir que a escolha do paciente seja genuína e bem-informada, sem que isso coloque em risco sua saúde? A ética médica recomenda que, em situações de risco iminente à vida, o médico deve tentar persuadir o paciente de que sua decisão pode não ser a melhor, explicando as possíveis consequências. No entanto, mesmo nesses casos, o médico deve respeitar a decisão do paciente, se ele estiver devidamente informado.


Outro desafio ocorre quando o paciente está em situação de vulnerabilidade, seja devido à sua condição de saúde, à idade avançada ou a pressões externas, como influências familiares ou sociais. Nesses casos, a liberdade de escolha do paciente pode ser distorcida, e o médico deve estar atento para garantir que a decisão seja tomada de maneira livre e sem coações.


A relação médico-paciente é marcada por um equilíbrio delicado entre o respeito à dignidade da pessoa humana e a liberdade de escolha do paciente. A dignidade exige que o paciente seja tratado com respeito e autonomia, enquanto a liberdade de escolha assegura que ele tenha o direito de decidir sobre seu próprio tratamento. No entanto, esse equilíbrio não é simples e envolve uma série de desafios éticos e práticos, especialmente quando as decisões do paciente podem colocar sua saúde em risco. O médico, como profissional de saúde, deve agir sempre com sensibilidade, respeito e responsabilidade, garantindo que o paciente tenha as informações necessárias para tomar decisões informadas, sem violar sua liberdade de escolha ou sua dignidade.


Portanto, o respeito à dignidade e à autonomia do paciente não deve ser visto como algo opcional ou secundário, mas como parte integrante da prática médica ética. A relação médico-paciente deve ser sempre fundamentada na confiança, no respeito mútuo e no reconhecimento da humanidade do paciente, sendo isso essencial para a promoção da saúde de maneira integral e respeitosa.



Núcleo Científico Interno - (NCI)


Dra. Andreza da Silva Jacobsen

Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior.



REFERÊNCIAS 


BRASIL. Código de Ética Médica. Resolução CFM nº 2.217 de 27/09/2018. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 03 dez. 2024. 


MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33ª ed. São Paulo. Atlas, 2017.


SOUZA JUNIOR, Jarbas Paula de. A Dignidade da Pessoa Humana e a Liberdade de  Escolha na relação médico-paciente. Direito à Saúde. ESA-OAB. Organizadores Mariana Polydoro de Albuquerque Diefenthaler; Rosângela Maria Herzer dos Santos; Lucas Lazzaretti; Vanessa Rodrigues Pereira; Fernanda Beal Pacheco; Estefani Teixeira; Ana Paula Adede y CastroPorto Alegre, 2021, p. 73-82.  Disponível em:https://esars.org.br/Home. Acesso em: 03 dez. 2024. 





 
 
 

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